sábado, 13 de junho de 2015

CORREÇÕES SEGUNDO LIVRO - LETRA U a Z


UM ALCE - 10

Tem um alce bem aqui
Pequenino, ah... que lindo...
Canta uma musiquinha
Em inglês... que gracinha...
É um som que me comove
Choro... num misto de saudade
E alegria...quase imploro
Canta, alce pequenino
Vá buscar os meus meninos
Lá no Texas, em Austin...
Eles me presentearam
Compraram em um bazar
Daqueles que têm por lá...
Saíram cedo, os dois
Felipe e Gabriel...
Voltaram tão felizes
Vovó, olha só... é pra você...
E ligaram a musiquinha
Eram dois... mamãe e filho
Mas Larinha quiz um deles
Emprestado, ela me disse...
Eu a deixei levar, faz um ano
Sei lá...será que terei coragem
De lembrar minha netinha?
Vou ver... não sei...afinal
Justo agora que é natal...
Mas mamãe alce está aqui
No lugar onde eu mais fico
Olho pra ela... me comunico
Me transporto até meus netos
Quando estou lá, vamos juntos
Passear nos arredores
Procurar... e encontramos
Vez em quando, parentes do alce
Me comove... tão mansinhos
Pastam tranquilos, são tantos...
Lá são chamados de "deer"
Eu, os chamo de veadinhos
Mas meus netos me entendem
A gente ri, corre, brinca
Ah... que saudades de vocês...
Gabriel e Felipinho
Obrigada pelo presente..


UMA FLOR - 18

Uma flor murchou, eu vi...
Era branca, ficou cinza
Vestiu luto...chorou
Por outras flores perdidas
Murchas, mortas, desditas...
Olhava em volta amiúde
Quando ainda estava viva
Tocava com seu perfume
Outras flores, outras vidas
Se via um tanto sem graça
Pensava não ter valia
Ah, flor.... porque murchaste
Se ainda tinhas vida...
Tinhas botões ao lado
Tinhas sim, tanta valia...
Tira o luto... veste o rosa
Volta, ainda há tempo...
Venha... volte pra vida...

n. 226
UM FORTE ABRAÇO
Vi um homem abraçando outro
Um longo abraço
Tão forte como poucos...
Vi dois homens entrelaçados
Abraçados um ao outro
Fiquei admirando
Aquele abraço longo
Notei a alegria
Que sentiam do encontro
Dois homens... dois seres abraçados
Num abraço tão humano...
Percebi chorar um deles
Não questionei
O que fossem um do outro
Amigos, irmãos, enfim;
Poderiam ser amantes
Mas a mim,
Nada disso era importante
Não faria diferença
Qualquer coisa que eles fossem;
Vi dois seres num abraço
Achei bonito aquele ato
Senti vontade de envolver alguém
Em doce laço
Homem, mulher, criança,
Qualquer ser que fosse
E tão somente quisesse
O meu carinho num abraço
Perceber minha alegria
E se pudesse,
Também receberia do outro
Mesmo que pouco
Naquele abraço parecendo insano
Qualquer amor que se dissesse humano...

n. 219
UM PAI AMOROSO
Quando o sol se punha lento
Vagaroso... sonolento...
Meu pai, cansado e faminto,
Voltava com sua enxada
Do trabalho tão pesado
Que a vida lhe impunha;
Vinha mole, tropeçando
Chegava cheio de espinhos
O rosto sujo de terra
As roupas em desalinho
Cheirava a mato ferido
Um cheiro que está em mim
Ainda... e vou levar comigo
Aos confins da minha vida...
Mas não fosse o sofrer,
Daquele pai penitente
Este cheiro que carrego
Impregnado nas ventas,
Não seria um cheiro assim...
É que o cheiro que eu sinto
É uma mistura de tudo
Suor, lágrima, cansaço
Misturados à resignação
Do homem simples e bom
E também tão indefeso,
Curtido nos medos da vida;
Medo que a fome sofrida
Atingisse a sua prole...
Meu pai vivia os seus dias
À espera de um milagre...
Era assim a sua vida
Enxada sempre na mão
Madrugava, anoitecia
Sol quente, chuva pesada
Frio nas cinzas madrugadas;
Enxada no ombro
Puxando, puxada
Terra  dura ou atoleiro
Todo dia, dia inteiro
Vez em quando ele parava
Molhava suas mãos calosas
Bebia uns goles d,água
E ainda o cafezinho
Que levava de manhã...
Certa vez, até provei
Estava ruim, esquisito
E a água da moringa
Era morna, quase quente
Ah... vida dura igual à dele
Na vida eu nunca vi
Ele muito me ensinou
Com ele eu aprendi,
Que a paciência é para poucos
E que na vida mesmo dura,
Não precisa que tenhamos
Duros nossos corações
Pois meu pai era amoroso
Ria muito, fazia piadas
Tinha ótimas tiradas
Sim... meu pai muito me ensinou;
Pois muito embora
Sem nunca ter ido à escola,
Sempre muito nos amou...

n. 206
UM ROSTO FRIO
Quando beijei o rosto
Daquele irmãozinho morto
Senti meus lábios gelarem
No rostinho assim... tão frio...
Me arrepia quando penso;
Ninguém soube quando viu
Nem sentiu o que eu menina
Ainda tão pequenina
Encostada àquele rosto,
Senti... E ficou pra sempre...
Sim... Ainda está em mim
O beijo dado aquele dia;
Meu ósculo na morte fria
Parecendo me dizer
Um adeus que não cabia
Num coração pequenino
Mas tão grande de menina...
Meus lábios às vezes sentem
O gelo do beijo quente
Dado no rosto pálido
Daquele serzinho morto
Parecendo me dizer:
-Não se importe, pois eu volto
No primeiro amanhecer-...
Sinto ainda, o cheiro forte
Dos cravos e dos jasmins
Colhidos lá no quintal
Do canteirinho de casa
Que enfeitavam o menino;
Eram flores simples... pobres...
Tão pobres quanto a criança
Que com elas se enterrava...
Foi minha mãe quem plantou
E eu ajudei a colher
Pra enfeitar nosso bebê...
De tudo, pouco me lembro
Mas nunca mais me esqueci
Do beijo quente e molhado
Pois ficou-me impregnado
E ainda causa arrepios
Meu beijo na despedida
Daquele rostinho frio...

UM CÂNTICO - 16

Entoei um canto triste
Um canto que não existe
Saiu-me assim sem porque
Cantei o cantar sem quê
Trouxe raso, vi no fundo
Um mundo que não é meu
No canto entoado triste
Por que cantar triste canto
Se tão belo é meu viver?...
Mas o cantar não se ia
Eu pensava o que seria
Aquele triste gemido...
Vasculhei os horizontes
Fui buscar atrás os montes
Onde estaria escondido
Meu hoje alegre cantar
Encontrei-o lá quietinho
Observando mansinho
Procurando seu lugar
Espreitando meu cântico
Triste... já se perdendo
Sem ter eco pra ficar
E então entrou em mim
Tão jubiloso cantar
Não o deixei ir embora
Se voltou...é pra ficar....


VALE A PENA....- 36

Um dia vivido
Uma noite serena
Um sonho sonhado
Um beijo bem dado
O amor temperado
De risos e afagos...
Um choro no abraço
Consolo nos laços
Que nós estreitamos...
Vale aos insanos,
Sair por aí
Sem ter pra onde ir
Sair por sair
Voltar por voltar
Querendo encontrar
A mão da espera
O cão que fareja
Que salta e se alegra
Ao nos ver chegar...
Vale a pena eu sei,
Acordar bem cedinho,
Ou tarde também...
Café coadinho,
Um pão bem quentinho
Barulho vizinho
Acordando pra vida
E a faina querida
Que espera na lida,
Fazer o melhor...
Vale a pena decerto,
Não calar a voz;
Desatar os nós,
E assim sermos nós...

Também vale a pena
Viver nossos dias
Buscando harmonia
Pra viver melhor...
Decerto que vale
A trilha serena
O canto mais louco
A toada cabocla
O som da matraca,
Que alerta pra reza
Que preza a fé
Até do ateu...
Vale muito gostar,
Daquilo que é meu...
E vale também
Curtir a espera
Que nunca se altera
No cheiro gostoso
Nas cores mais belas
Da mãe primavera...
Vale a pena, sei bem
No então dia a dia,
Quaisquer alegrias
Pequenas ou grandes
Que possamos ter...
Pois mesmo que errantes
Ao longo da vida,
Depende de nós,
Fazermos valer
A pena viver...



VENTANIA - 93

Quase noite, eu corria
Me perdi na hora... droga...
Que medo, Ave Maria
Me socorre, me segura
Na poeira, na canseira
Teimosia...quem mandou
Teimar em vender o resto
Daquilo que me sobrou
Quem mandou não ser esperta...
Pavor na estrada deserta
Enfrentando ventania
Correria, chuvarada
Trovões, raios, enxurrada
Corre, menina tonta
Quem mandou você ser sonsa...
Não viu que o céu carregava
De nuvens pretas, pesadas
Prenunciando vendaval?
Chora agora, se apavora
Larga o cesto nessa estrada
Que jeito...largar não posso
Amanhã vem o remorso
Do cesto com coisas dentro
Não...não posso deixar o cesto
Tem coisas pro nosso almoço
E pro café da manhã...
Molhou tudo... que sufoco
Mas acho que ainda servem
Tem café, lata de óleo
Açúcar e macarrão
Feijão, não....meu pai colheu
Ajudei... debulhei vagens
O arroz, também colheu
Carreguei feixes e feixes
Ajudei juntar os grãos
Que caiam na batida
Já viram bater arroz?
Naquele tempo era assim...
Bate forte ele no chão
Caem grãos, sobram as socas
Põe em sacas, e depois
Leva pro benefício
Na máquina da cidade
Que limpa, tira as cascas
E sobra o arroz branquinho...
Pronto...só cozinhar
Arroz novo, se bobear
Vira papa, pouca água
Precisa pra dar o ponto
Ao contrário do feijão
Quando novo, é tão bom...
Velho, cria carunchos
Demora pra cozinhar
Às vezes nem presta mais...
Vichi...não existem
As panelas de pressão...
Corre, corre, sua boba
Fique esperta doutra vez
Quando à tarde sai da escola
E leva pra casa as sobras
Daquilo que não vendeu...
Se livra da escuridão
Se aquieta, fica alerta
A ventania passou
A noite chegou
O cesto salvou
Os livros, cadernos...
Será que molhou?
Amanhã tudo seca
Recomeça....êta vida...
Fica esperta.....


Número 507

VELHA MENINA...

Certa vez, você passando
Mirou em mim seu olhar
Sorriu doce e ciciou-me
Não entendi o que disse
Mas senti, velha senhora
O que você quis dizer
Naquilo que me falou
Pensando baixo consigo
Pois em mim, ficou aquilo
De uma forma bem singela
E abriu em mim a flor
Do amor com que me olhou
Sei que me admirou
Viu em mim o que eu sentia...
Onde está você, mulher...
Se já estava tão velhinha....
Ah...com certeza, não mais,
Se encontra entre os mortais
Da forma que eu quero ver...
Mas da forma mais sublime
Tal qual o seu doce olhar...
Querida velha...tão jovem...
Alma terna de menina
Senhora...mulher pequena...
Imensa, ficou em mim
Eu também era menina
Trocamos nosso sentir...
Nossas almas parecidas
Nos sentíamos iguais
Perdidas, tentando achar
Nossa alma tão sofrida...
Eu, criança, envelhecida...
Você, velha... e tão menina...

VISCERAL - 31
Das entranhas...
Eu tiro o bem
Delas, expurgo o mal
Minhas vísceras contêm
O fel amargo da raiva
Contêm visceral a mágoa
Curtida... cortando fundo
Corroendo, culminando
Em dores, suores, lágrimas...
Mas contêm o mel brotando
Cada vez que o mal se apaga...
Quando inflamadas,
Minhas vísceras adoecem...
Busco a cura na prece
E a encontro no perdão...
Tinha razão o cura,
Homem bondoso,
Quando falou em surdina:
Deixa ir... expurga
Não há sorte sem perdão...
Perdoe primeiro a si
Deixa ir e vira as costas
Aos males que te exortam
A mudar e ser melhor...
Deixa ir e não se apega
À mágoa e ao rancor  insanos
E a propósito...
Segura firme com tuas garras,
A coragem de mudar
Solta as amarras...
Retenha no teu pensar
Os pensamentos que levem
Para um caminho melhor
E segue...
Mas leve
Entranhada nas vísceras
A coragem da entrega...
Não renega as mudanças
Que a vida te propõe
Vá além, e ame o outro
Visceralmente também...


N. 64
VÉU DE NOIVA
Vai longo se arrastando
Segue a noiva lentamente
Acompanha embelezando
Em pompa sua nubente...
Majestoso, cumpre o rito
É servo... servil, se arrasta
E com leveza de plumas,
Leva ao noivo a sua amada...
Segue o véu a sua noiva
Desejosa, desejada
Lindo véu... Tão desatento
Se arrastando, acompanhando
Toda ela em passos lentos...
Vai solene, o véu tão branco
Dança em passos ritmados
Passa leve entre os presentes
E em silêncio sepulcral,
Se entrega qual presente
Tão único... Sem igual...

VOCÊ DORMIU - 92

Eu vi chorando a lua
As dores que eram suas
Vi lágrimas caindo
Argentas, brilhantes densas
Clareando a escuridão;
Vi chorar seu coração
De tristeza e agonia
Coloquei-me em oração
Esperei raiar o dia
Vi o sol nascendo ao longe
Clareando, iluminando;
Senti pena quando vi
Você ainda chorando
Pela dor que era tanta
Nem dava pra esconder;
Então fiz minha promessa
Implorei com minha prece
Dai, Senhor, a hora é essa
Alento e aceitação
Dai a paz da qual precisa 
Esse triste coração
Não o deixe assim sózinho
Nem a deixe sofrer tanto
E chorei, deixei que o pranto
Viesse me acalmar
E então eu vi você
Olhar longe, olhar vazio
Encostei meu corpo exangue
De uma noite sem dormir
E dormi igual um anjo
E você também dormiu...

VIDA BOA - 27

Um porco grunhiu
Cachorro latiu
O galo cantou
Galinha botou
Mané reparou
Em tudo que viu
E muito gostou
Saiu, capinou
Cuspiu fumo escuro
Encostou no muro
Enxada e facão
Pegou o jibão
Guaiaca de couro
Pos folha de loro
Atras da orelha
Pra mó de cheirar
Um cheiro bem bom;
Não venha a Rosa
Cabocla cheirosa
Reclamar do cheiro
Que hoje inda é sexta
Nem banho tomei
Pois só tomo banho
No fim de semana
Enchendo a tina
Com água de poço
E o sabão de cinza
Aquele colosso
Que a mãe preparou;
Amanhã eu me lavo
Ensaboo e me enxáguo
Pra mór de ir na missa
Tirar a catiça;
Vou por roupa nova
Alpargata de sola
Trançada na corda
Vou levar a Rosa
Pra ver procissão
Fazer uma prece
Gastar na quermesse;
Perfume na nuca
Vou jogar sinuca
No bar do Bastião
Que a vida é tão boa
Ninguém vive a toa
Eita vidão....

n. 224
VIUVEZ

Procuro, busco, não a vejo...
Vivo assim... só por viver...
Quem me dera, disse ele
Na busca, podê-la ver...
Minutos...segundos que fossem
Mas ela... ah... foi embora
Deixando vazio meu colo
Vago, o mesmo solo
Durante anos, pisado
Repisado, calcado
Moldando a vida...
Quem dera voltasse ela,
Só pra poder contar
Da saudade que me aleija
Tolhe, encolhe, me embota
Desbota meu céu azul,
Tira o riso, traz o pranto
Tirando todo o encanto
Desencantando a vida...
Estou cansado da dor
Saudade do meu amor                                        
Arde o peito, fere a alma
Nada acalma... peço a ela
Vem me buscar, querida,
Continuar nossa lida
Em qualquer desses lugares;
Pode ser em noite escura
Ou em noite enluarada
Nos altares das estrelas
Ou nas cores do arco iris
Vou levar as mesmas flores
Que  você plantou aqui
Quero andar a mesma estrada,
Calcar meus pés por aí
Com você, minha amada...
Vem... me leva daqui...



238

VOLTANDO DA ESCOLA

A estrada era deserta
Tranquila, estreita, incerta
Curta nas curvas e nas retas
Galhos cobriam cercas
As ramagens balançavam
Parecendo, quando lembro
Com fantasmas desgrenhados...
Redemoinhos formavam
Na terra solta, vermelha,
Poeira de arder os olhos
Ventanias, quando vinham
Na baixada assobiavam
Um barulho que assombrava
E a meninada gritava, ria
Gargalhava... que doideira
Espantando o gado manso
Abrindo qualquer porteira
Traquinagens, pouco siso
Voltando á tarde da escola

Molecada sem juízo
Jogava pedras nas cobras
Procurava macaúbas
Trepava o jatobazeiro
Brigando por jatobás
Eta fruta mais sem graça...
Fedorenta, disputada a tapas
Que fazer... outra não há...
Peguei oito, Zé Maria
Vou trocar com guaraná
Na classe, com meu colega
Ah... eu também quero trocar
Macaúbas, tenho vinte
Amanhã vou me esbaldar
Troco todas as que tenho
Por um pão com mortadela
E um copo com guaraná...
E você... pegou o que?
Pouco, não vai dar
Junta aquí... trocamos juntos
Negócio não faltará
Tanta gente interessada
Em macaúbas roubadas
E também em jatobás
Tem menino empanturrado
De lanche com mortadela
E de beber guaraná....




n. 208
VIVENDO E APRENDENDO
Encontrei andando lento
Um senhor de muita idade
Ia mesmo devagar
E quando o alcancei
Me falou em tom alegre:
-Você pode me ajudar?
É só mais um quarteirão
Se não for atrapalhar,
Pois é a primeira vez
Que ao sair pro meu passeio
Sinto meu corpo falhando
Não comando minhas pernas-...
E continuou dizendo:
-Assim é nossa vida,
Não devemos reclamar
Quando chega nosso dia,
O melhor é aceitar-...
E juntos, continuamos
Ele falando sempre
E eu,  atenta ouvindo;
Disse ser muito feliz
Pois seus netos e bisnetos,
Vinham sempre visitá-lo
Apontou-me a casa ao lado
Afirmando: -Meus vizinhos são tão bons...
Tive sorte com meus filhos
Vêm  aqui todos os dias
Não deixam nada faltar
Tenho livros... tantos livros
Leio pouco, as vistas turvam
Mas sempre gostei de ler...
Às vezes eu me deparo
Folheando livros raros
E então eu me transporto
Aos dias em que ainda
Vivia com minha amada;
Gostava de ler pra ela
Com tudo ela se encantava...
Eu então, pensei comigo
Que presente recebi
Nesta manhã de sol
Conhecendo assim do nada
Alma tão evoluída...
E ao chegarmos no portão
Da sua velha morada
A vizinha logo veio
Perguntar, querer saber
O que havia acontecido
Já que ele demorou
Bem mais que de costume,
Pra voltar do seu passeio...
Convidou-nos pra entrar
Fez café, serviu com bolo
Ela o chamava de “nono”...
E eu lá continuei
Mais um tempinho com eles...
Ah... Não queria ir embora
Que vizinha mais bondosa
Que nobreza de mulher...
Saí leve, fui pensando
No meu caminho de volta
O quão nossa vida é bela
Tão rica de ensinamentos
Basta querer aprender;
Tão simples fazer valer
Na simplicidade dela,
Os seus melhores momentos...

VONTADES
O meu pai vendeu sorvetes
Pelas ruas da cidade
Lá em Urupês
Ah... quanta vontade...
Ele evitava passar em casa
Com seu carrinho
Lotado de picolés
Dava voltas até, se precisasse
Pois éramos tantos...
Ele vivia triste
Dizia não suportar
Ver tanta criança na rua
Olhar cheio de querer
Sem nunca poder comprar
E ainda presenciar
Aquele choro doído
Choro de puro sofrer...
Ele voltava sempre cabisbaixo
Pouco dinheiro no bolso
Sofria... dizia que se pudesse
Daria todos os sorvetes
Pras criancinhas carentes
Mas eram tantas...
E meu pai,
Pensando sempre nos seus
Também cheios de vontades
Resolveu então deixar
De vender os picolés...
Dizia não ter saudades
Dos tempos em que vendeu
Já que, nem aos outros
Nem aos seus,
Podia satisfazer...
Então, pra não sofrer,
Entregou o tal carrinho
E voltou a capinar;
Chegava cheio de espinhos
Faminto, sujo, suado
Mas não mais voltava triste
Pois dizia que pra ele
Nada era mais sofrido
Que ver criança chorando...

VENDER DOCES - 63

Minha mãe fazia doces
Pirolitos, martelinhos
Conhecem? Pirulitos todos sabem
Era só queimar o açúcar
Botar gotas de limão
Depois faziam-se cones
Enchidos com essa calda
Frios, eles endureciam
E a criançada adorava
Martelinho, mais complicado
Não sei agora explicar
Era meio puxa-puxa
Sei lá... duro de mastigar
Durava muito na boca
Era um doce econômico
E a criançada era louca
Por aquele doce estranho
Saíamos vender então
Porta da escola, cinema,
Ou batendo nas casas
Doces assim tão baratos
Todo mundo comprava
Alguns às vezes sobravam
E minha mãe reformava
Punha outra vez no fogo;
Todo dia a mesma coisa
Vender, vender, vender
Naquele sol inclemente
Pirolitos escorrendo
Lambuzando inteiro a gente
Ah...não sinto saudades
Também não tenho tristeza
Nem tampouco revolta
Mas me alegro quando penso
Que o mundo dá suas voltas...


n. 187
VIDAS TRISTES
Doidinhas... doidivanas
Das noites cotidianas
Enlouquecidas...enlouqueciam
Preenchiam noites vazias
Cálidas ou frias...
Eu as via desenhadas
Rubras, enfeitiçadas
Se iludindo em devaneios
Eram pobres... eram tristes
Entretinham, fomentavam
Os desejos mais primários
Enfeitiçando homens feios
Tão feios quanto eram elas
Desgrenhados, desdentados
Amarelentos, magricelas;
Lá dentro, nada se via
As luzes eram frias
Mas lá fora eu escutava
Cantorias... gargalhadas
Até altas madrugadas
E então... mais nada...
Só o silêncio...
Adormeciam na manhã
E à noite, recomeçavam...
Outras vozes, chingos fortes
Cantorias e lamentos
Outras noites, outros dias...
Vida tacanha... Estranha
Eu achava que era boa
Mas era um viver bem triste
De aventuras mentirosas...
Algumas morriam cedo
Diziam... Lá se foi outra vadia...
Eu pensava o que seria
Esse nome diferente
Dado às gentes, pessoas...
Ah... só podia ser coisa boa
Mas não era...
E quando mais tarde entendi
Tudo aquilo que ocorria
Nas vidas das pobres damas,
Senti nojo ao lembrar
Que na minha inocência
Eu também sempre dizia
Lá se vai outra vadia...

n. 205
VELHO SINO
Bem no alto, olhando o céu
Badalou o velho sino
Um som triste, anunciando
O seu morto, entregue aos anjos...
Vem de longe, o sino velho
Não cansa de trabalhar
É de bronze
E o monge, que o sino toca
Criou calos com suas cordas
Velho sino... Velho monge...
Toca o sino, inventa acordes
Nos repiques que ecoam
Distantes... buscando longe
Seus fiéis de tantos anos...
Sino velho incansável
Badalado pelo monge
Para os ricos e os pobres
Humanos e desumano
O plebeu, também o nobre...
Contempla do alto da torre
A cidade tão antiga
Cumpre bem o seu papel
Leva aos céus, o seu louvor
Faz notar em cada toque,
O som, anunciando os ritos
Tocando um toque vibrante
Mas também toca a reboque
Só pra cumprir serviço...
Sino velho... velho sino...
Sua sina é tocar
Tanto faz alegre ou triste
Traz no toque dos seus hinos
O cântico dos cantares...
Resistiu a tanta história
Altaneiro... tem memórias
Dos tempos que vão distantes
Errantes, mas tão vivos...
Velho amigo obediente
Ciente da obrigação
Feito o sol
Que não se cansa
De mostrar seu esplendor...
Velho sino... barbas brancas
Já fez tantas alianças
Com o mundo lá de fora
E nós daqui te reverenciamos
Companheiro, amigo antigo
Do tocar das nossas horas...



n. 249
VOLTA  AMOR
Em desgraça, ela chorava...
Implorando em choro estranho
Voz tão rouca de cabocla...
Eu a vi se debruçando
No peitoril da janela
A vida passando triste
Solidão passou por ela
Viuvinha tão recente
Machucava corações
Com seu lamento dolente,
Chamando por seu amor...
Volta, vem, fica comigo
Não mereço esse castigo;
Onde está o seu falar
Tão doce, inspirando paz...
Cadê o sorriso largo
Que você, desde manhã,
Me sorria a toda hora...
Volta, amor... não faz assim
Não cabe mais a demora
Prolongando meu sofrer...
E a caboclinha chorava
Pobrezinha... Que fazer...
Todo mundo tinha pena
Da morena tão novinha
Foi embora seu amor
Homem bom, em plena aurora
Que pena... durou tão pouco
Seu romance de caboclo...
Eu também chorei com ela
Debruçada na janela
Sem saber o que dizer...
Onde anda, caboclinha
Você que era tão linda
Se livrou do seu sofrer?
Gostaria de saber
Se ao longo desta vida
Tão amarga, tão sofrida,
Já curou suas feridas...


n. 196
ZÉ PEDRO

Era simples...mas sem medo...
Enfrentava até capangas
Homens feitos... coronéis...
Zé Pedro, era fiel
Ao povo daquelas bandas
Morava com Ana Rosa
Na palhoça construída
Por suas mãos sem sossego
Tão jovens e tão calosas...
Zé Pedro era de fibra
Forte feito leão
Não conhecia preguiça
Trabalhava de montão
E todo fim de semana
Depois da missa das dez,
Levava a sua Ana
Pra almoçar na venda antiga
Macarrão, prato sagrado
Consumido em comunhão
Guaraná no copo ao lado
Ah, que inveja eu sentia
Da tal Ana quando a via
Tão feliz, e tão bonita...
Ia sempre bem trajada
Lábios carnudos pintados
Com um batom barato
Da cor vermelho carmim...
Era assim, fim de semana
Esperado pela Ana,
Feito hoje alguns esperam
Enfim, conhecer Paris...
E então, iam pra casa
E tudo recomeçava....
Muito boa, aquela vida
Sem filhos, recém casados,
Viviam todos notavam
Feito dois enamorados...
Até, que pra completar
A boa vida que lhes coube,
Ana Rosa ficou prenhe,
E quando o povo todo soube,
Se alegrou junto com eles...
Zé Pedro nâo se continha
De tanta felicidade
Ao saber que ia ser pai...
Então, pra comemorar,
Convidou todos pro terço
Queria mostrar o berço
Onde o filho ia ficar...
Todos lá compareceram
Pois Zé Pedro era querido;
Defendia os oprimidos
Não permitia injustiças;
Sempre ao lado dos mais fracos
Quando preciso fosse;
Zé Pedro, era bem doce...
A reza, foi um sucesso
Era noite de São João
Dançaram até quadrilha
Tinha pipoca, quentão
E batata doce assada
No braseiro da fogueira;
Pau de sebo, quem subisse,
Levava um bom dinheiro
Eu tentei, mas foi em vão...
Zé Pedro, ajudou meu primo
Oferecendo arrimo
Já que ninguém conseguia
E não é que deu tão certo?
Meu primo, garoto esperto,
Chegou ao topo depressa
E trouxe com ele as notas;
Nem me lembro quanto era
Mas ganhei alguns trocados
Ah, que saudade, não, Mauro?
Eita noite mais gostosa
Cheinha de reza e prosa
Cantorias e quitutes
Sem rojão pra atrapalhar...
Zé Pedro ficou na história
Eu o tenho ainda em mim
Fez parte da minha infância
Sempre pronto a ajudar
Ah, Zé Pedro... que saudade...
Onde posso te encontrar?