quarta-feira, 28 de agosto de 2013

TEXTOS DE NÚMERO 152 A 159



Número 152
CIRANDA CIRANDINHA

Tanta criança na rua
Solta, livre, em algazarra
Toda noite, era de praxe
Criançada reunida
Brincadeiras tão saudáveis...
Eu sempre estava lá
E na roda me esbaldava
Com Senhora dona Sancha
Coberta em ouro e prata
Atirei o pau no gato
Tinha pena do gatinho
Machucado, escorraçado
Cirandava, declamava
Batatinha quando nasce
Ficava no meio da roda
E me sentia o máximo
Pequenina era eu
Pequeninos sonhos meus...
Quais sonhos sonhava eu?...
Rodava, ria, chorava se caia
Chorona... chora menina
Me diziam os grandes...
Pois crianças me entendiam
Me cercavam, me chamavam
Não chora ...entra na roda
Vamos todos cirandar
As cantigas eu sabia
Se essa rua fosse minha
O anel que tu me destes
O amor que tu me tinhas
Não...não era pouco
Nem tampouco se acabou...
Brincava de amarelinha
Céu, inferno, pular corda
Passa anel, esconde - esconde
Não via passar o tempo
Mas quando a hora soava
Bastava só uma chamada
Dormia com dor nas pernas
Quem mandou ser “avoada”
Sonhava, mistura ingrata
Pesadelos... sonhos bons
Confusão ... tudo girava
Criançada em profusão
Terminei meus afazeres
Me esperem, eu já vou
E tudo recomeçava
Nessa rua onde eu vivia
Poucas horas pra brincar
Mas eu sempre aproveitava
Ah, meu Deus... como era bom......
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Número 153
VOLTANDO DA ESCOLA
A estrada era deserta
Tranquila, estreita, incerta
Curta nas curvas e nas retas
Galhos cobriam cercas
As ramagens balançavam
Parecendo, quando lembro
Com fantasmas desgrenhados
Redemoinhos formavam
Na terra solta, vermelha,
Poeira de arder os olhos
Ventanias, quando vinham
Na baixada assobiavam
Um barulho que assombrava
E a meninada gritava, ria
Gargalhava... que doideira
Espantando o gado manso
Abrindo qualquer porteira
Traquinagens, pouco siso
Voltando á tarde da escola
Molecada sem juízo
Jogava pedras nas cobras
Procurava macaúbas
Trepava o jatobazeiro
Brigando por jatobás
Eta fruta mais sem graça...
Fedorenta, disputada a tapas
Que fazer... outra não há...
Peguei oito, Zé Maria
Vou trocar com guaraná
Na classe, com meu colega
Ah... eu também quero trocar
Macaúbas, tenho vinte
Amanhã vou me esbaldar
Troco todas as que tenho
Por um pão com mortadela
E um copo com guaraná...
E você... pegou o que?
Pouco, não vai dar
Junta aquí... trocamos juntos
Negócio não faltará
Tanta gente interessada
Em macaúbas roubadas
E também em jatobás
Tem menino empanturrado
De lanche com mortadela
E de beber guaraná....

( Fiz muito esse tipo de negócio...)
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número 154
A REZA
Pisei rato sem sapato
Fui lavar pé no riacho
Escorpião me mordeu
Santo Deus... sozinha estava
Sem ninguém pra me valer
Ai que dor... até urrava
Meu pé inchou, sapo virou
Não podia andar, correr
Cavaleiro me encontrou
Cavalheiro, me amparou
Lavou com sabão de soda
Meu pé que a dor não passava
Fez com a faca uma cruz
Sua mãe, velha senhora
Benzeu meu pé – ai Jesus...
Cura, Pai, a pobrezinha
Tira a dor dessa menina
E a peçonha que há aí...
Repete comigo a reza
Pai nosso que estais no céu
Pronto... agora pode ir...
Garanto que a dor passou...
E não é que passou mesmo?
A reza cortou o veneno
Ou foi a fé que curou?
Não sei... Também não entendo
Só sei que ainda me lembro
Mãe e filho me cuidando
Rezando por minha dor...
Quanto amor eu recebi
Desses dois me resgatando
Me valendo feito anjos...
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Número 155
VIAGENS
Vou por aí... me encanto
Com os campos, prados, montes
No horizonte sem fronteiras
Nos mares... tantos lugares
Festejo cada passagem
O bucólico me atrai...
Em tudo percebo o encanto
Nos cânticos dos rochedos
Arvoredos, mata a dentro
Canções singelas... é o vento...
Cantando, enlevado leva
Semente espalhando vida
Nas encostas, ribanceiras
Germinando com o tempo
Sem tempo, que o tempo urge
É preciso semear
A beleza que encanta
O transeunte que passa
Na busca de se encantar
Na certeza de ver mais...
Além do que os olhos veem
E sentir no coração
O que não vê o olhar
Cheiros... fragrâncias mil
Ah... delícia que é viajar
Fico atenta, busco, levo
Carrego o que puder
Na alma... comigo vai
O que vi, o que senti
São assim minhas viagens
Paisagens... paragens... saudades...
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Número 156
ME DÊ SEU TEMPO
Ei... sim, é com você
Transeunte, meu irmão
Que passa e nem me vê
Com você quero falar...
Dê-me um tempo se puder
Do seu tão precioso tempo
Vem... pare pra me ouvir
É pouco o tempo que eu quero
Do tempo que puder dar
Vem... congrace comigo
Me olha... sou seu amigo
Não precisa se acanhar...
Pode ser que amanhã
Seja tarde pra eu dizer
Ou tarde pra me escutar
Dê-me o tempo que puder
Já que o tempo não tem dono
É meu, seu, de quem quiser
Vem... dê-me um tempo de você
É só um tempinho ínfimo
São bem poucas palavrinhas
Segundinhos pra me dar...
Mas olhe pra mim... me vê
Preciso encarar você
Só pra poder falar
Que eu lhe dou o meu amor...
E desejo muita paz...
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Número 157
POBRE MENINA
Toma banho na bacia
Água fria... chora até...
Coitadinha, dona mãe...
Tempo frio... ai Deus do céu
Arrepia, doem os ossos
Toda noite a tosse vem
É sempre a mesma reza
Vá dormir e fique quieta
Sem chorar entre as cobertas
Que acorda os seus irmãos
Não posso ver a menina
Chorando, parece um anjo
Arcanjo de olhos grandes...
Tão triste, ela me disse
Me leva embora daqui
Se eu me for, aqui não volto
Me revolta tanta coisa
Ver criança triste assim...
Choro junto, pouco posso
Mas me importo... isso sim...
Com a sorte da menina
Pequenina e tão franzina
Peço então ela pra mim
Levo uma resposta torta
Isso pouco ou nada importa...
Digo tudo o que guardei
Ponho fora minha raiva
Vou pra casa, tenho os meus
Pra cuidar... aumento o zelo
 No desejo de amainar
Minha dor, desassossego
Desmazelo da outra mãe
Choro em cima do meu filho
Banho quente com carinho
Falo baixo só pra mim
Cuida mãe dos seus filhinhos
Cuida mãe...
Não faz assim...
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Número 158
NO CONVENTO
Fui aos onze pro  convento
Fiquei lá dois, quase três
E nesses tão poucos anos
O melhor eu aprendi
Muito me aconteceu...
Parece que durou tanto
Foi maçante, foi estranho
Sou tão diferente daquilo
Que era imposto, exigido
Freiras rígidas... era preciso
E eu muito sem juízo
Tempos outros... tantos anos
Mais de cinquenta... quanto?
É mesmo... o tempo passa
Tínhamos que rezar muito
Estudar... fazer silêncio
Não podia quase nada
No recreio pouco tempo
Dormir cedo, levantar
Com as palmas ressoando
Ai que sono... mais um pouco
Fingia não escutar...
Freiras santas, outras chatas
Compreensivas... outras não
Tinha freira mal amada
Freira por imposição
Tinha freira boazinha
Tinha mulher de montão
Umas que me amavam
Amadas, davam amor...
Duas me amavam não...
Ah que raiva dessas duas
Como eu as detestava
Levavam nomes de santas
Só o nome... pois a fama...
Não tenho saudade, não...
Tenho é muita gratidão
Me ensinavam tocar piano
Declamar, representar
Procuravam outros dons
Mas eu era bem levada
Levava castigo em vão
Confessava, olhava o padre
Espiando pelos vãos
Eta padre mais bonito...
Sonhava casar, ter filhos
Ser freira eu não queria
Passava o ano inteirinho
Interna... quanta saudade
Dos meus pais e meus irmãos
Fui pra casa fim de ano
Fiquei... não mais voltei
Não me arrependo de nada
Saudade não tenho não
Mas de tudo o que lá vivi
Restou muita gratidão...
(agradeço imensamente ao Colégio Sagrado Coração de Jesus, de Campinas)

Número 159
REZAR O TERÇO
Toda a noite a mesma coisa
Rezar terço ajoelhada
No chão duro de tijolos
Não esqueço, era novinha
Ai Jesus como doía
Meus joelhos tão fininhos
Ralavam no chão batido
Pai, mãe e todos os filhos
Só os muito pequeninos
Eram então poupados
Ah... que terço demorado
Mas na cama eu me encostava
Tinha a Salve Rainha
Os mistérios no intervalo
E a cada dez Ave Marias
O Pai Nosso era rezado
Que canseira, pasmaceira
Terço brabo de acabar
Ladainha tão comprida
E então vinham adendos
Rezar pra todos os mortos
Parentes e conhecidos
Tanto morto já morrido
Puxava bem lá atrás
Um Pai Nosso era dito
Pro fulano, pro sicrano
Beltrano que morreu ontem
E os mortos só aumentando
Pois sempre morria alguém
E então era agregado
E só aumentando a fila...
Eu ficava muito fula
Ah... Senhor... precisava tanto?
Me distraia da reza
Vagava longe... voava...
Pensava em qualquer coisa
Menos nas Ave Marias
Isso ao menos eu fazia
Já que os meus pensamentos
Minha mãe não alcançava
Mas ela me olhava torto
Eu então virava o rosto
Me fazia de santinha
Fingindo não entender
Levava sempre castigo
Fique aí ajoelhada
Mais um pouco pra aprender
Que terço é coisa sagrada
Ah... meu Deus... dava uma raiva!
Hoje rezo, não o terço...
Falo direto com Deus
Dialogo, Ele me entende
Digo a Ele fique em mim
Pois és meu melhor amigo
Terço já rezei bastante
Você me compreende?
E Ele responde: sim...