segunda-feira, 7 de outubro de 2013

ÚLTIMOS TEXTOS REVISÃO TATIANA EM 07.10.2013




Número 150
MINHA QUERIDA URUPÊS
Agradeço a todos os urupeenses que de uma forma ou outra participaram e ainda participam da minha vida. Beijo a todos.
Me criei nessa cidade
Lá vivi desde os meus seis
E saí aos vinte e dois
Idade em que me casei
Urupês ... quantas lembranças...
Tanta história pra contar
Caberiam tantos livros
Pras histórias eu narrar...
Urupês... tenho carinho
Gratidão... e tudo o mais
Por você que me acolheu
E então, o que falar
Da sua gente querida
Que ao longo de tantos anos
Me abraçou, me viu crescer
Acompanhou-me de perto
Viu meus risos descabidos
Viu meus choros tão sentidos
Minhas perdas e meus ganhos
Bem mais ganhei... não perdi...
Viu-me triste e tão alegre
Riu das minhas gargalhadas
Minha marca registrada
Viu-me insana feito poucos
Viu-me pouco comportada
Pois para aqueles velhos tempos
E para certos parâmetros
Eu era bem avançada
Mas também  me viu bendita
Me viu com olhos maternos
Na minha árdua jornada...
Olho atrás, penso comigo
Tenho lá tantos amigos
Urupês... amo você
Sua gente de outros tempos
Amo seus descendentes
Gente boa, minha gente
Solícita e tão presente
Sempre que eu precisasse
Até hoje... anos e anos depois
Sempre que volto lá
Percebo o amor que ficou
Nos antigos do meu tempo
E também dos tempos outros
Que vieram bem depois
Sou grata Urupês querida
A você... acho tão linda
Sua igreja... sua praça
Seu bucolismo tem graça
Tem histórias... tanto amor
Nos sonhos que são de todos
Os que ficam e os que vão
E os que voltam pra buscar
Sossego e paz no seu leito...
Você cresceu minha linda
Não é mais tão pequenina
Tornou-se então produtiva
Progrediu, gerou empregos
Mas ainda tem o sossego
Do seio de quem abriga...
Urupês... pisei tanto suas ruas
Nas lamas das grandes chuvas
E ao cobrirem você de asfalto
Estava eu lá pisando o piche...
Acompanhei cada passo
Sujei os meus pés descalços
No chão que agora eu beijo
Pra reverenciar você querida
E dizer muito obrigada
Pela sua acolhida
Pois sempre que precisei
Meus chamados atendeu
Não só os meus,  dos meus pais,
Avós, irmãos, marido
Sim...dos meus filhos também...
Enfim, a caçula nasceu lá
Brincaram nas suas ruas
Frequentaram a mesma escola
Que um dia eu frequentei
Grupo escolar de Urupês
Obrigada, gente boa
Obrigada, terra minha...
Beijo o seu chão tantas vezes
Me curvo a você tão querida...
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Número 151
GRAÇAS EU DOU
Pela vida em mim gerada
Pelos pais que me trouxeram
Ascendentes, meus parentes
Descendentes, filhos, netos...
Graças dou por ter nascido
Saudável, de pais amigos
Num lar onde toda a dor
Se transformou em aprendizado
As amarguras e as faltas
Trouxeram um presente raro
Graças dou pelo que fui
Sou e ainda serei
Nos caminhos tão incertos
Grandiosos e complexos
Que eu ainda trilharei
Graças dou, pelo passado
Pelo presente do Ser
Que me habita, tão presente
Gerando força e coragem
Alegria e vontade
Pra tocar o barco adiante
Toda a vida... vida afora
Pra conduzir sempre pronta
Essa vida em tantas glórias...
Graças  dou por estar viva
E poder amar, sentir
Na plenitude da alma
O Ser que me faz crescer
Mais e mais a cada dia
Revelando as alegrias
E os prazeres do viver...
Graças dou por crer no eterno
Daquilo que vai ficar
Permanecer para sempre
Depois que eu me retirar...
Graças, graças infinitas
Tantas graças dou à vida
Pois olhando bem lá atrás
Vejo o quanto recebi
E então, graças eu dou
Hoje, sempre, todo dia
Toda hora, toda a vida...

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NÚMERO 162

QUERO DA VIDA

Quero receber da vida

O que a vida tem pra dar

O nascer de um novo dia

O amor do teu olhar

O sol, a chuva, a brisa

O entardecer... e à noite

Quero estrelas pra contar

Tudo aquilo que recebo

Nas graças que ela me traz

Quero nuvens prateadas

Quero a paz da madrugada
E galos cantando ao longe
Anunciando que a vida
Se renova na alvorada...
Quero o renascer bendito
Pra  saudar um novo dia
De esperança, de bonança
De grandezas e chegadas
Quero ver jardins em flores
Estradas que levem longe
Meu amor a todo aquele
Que o amor em mim buscar
Quero gente me cercando
Dividindo seus anseios
Quero abraços, muitos beijos
Quero desejos de paz...
Quero a luz das criancinhas
Seus sorrisos e alegrias
Sua mais pura inocência
Pro meu mundo ser melhor
Quero vida... muita vida
Suavidade, leveza
E o encanto da natureza
Trazendo doces lembranças
Cobrindo qualquer tristeza
Que puder me acometer...
Quero sempre meus amigos
Por perto, pra festejar
Nossos encontros festivos
Sem ter hora pra acabar
Quero minha alma plena
Sempre cheia de amor
Pra ofertar a todo aquele
Que o amor vier buscar...
Quero só os belos sonhos
Pra poder rememorar
Qualquer hora que eu quiser
E torna-los bem reais
Enfim... eu quero da vida
Muita luz, sabedoria
Bendizer a cada instante
A você... vida querida...
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NÚMERO 163
PESSOAS QUERIDAS
Quero chama-las todas
Pra bem perto... bem aqui
Quero tê-las ao meu lado
Segredando o meu passado
Contando o que já vivi
E que estejam sempre junto
No conjunto das lembranças
Rememorando, buscando
Relembrando o que puder...
Quero todas como herança
Pra que eu possa lhes contar
Os meus mais temíveis sonhos
E contando me acalmar...
Quero tê-las bem presentes
Consciente, inconsciente
Consistentes, renitentes
Presenteando o meu viver
Enriquecendo minh,alma
Compartilhando o sabor
Do saber que as fez crescer
Quero dar pra todas elas
O amor bem temperado
O sabor bom do passado
Meu presente tão feliz
E o futuro que há de vir...
Quero ser sem distinção
Sem pudor... de coração
O lado bom desta vida
Dividir minha alegria
Dar a elas meu melhor...
E se não for pedir muito
Peço que fiquem comigo
Mesmo que em espírito
Hoje, por toda a vida
Vocês... pessoas queridas...
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Número 164
VELHA SENHORA
Lá vai a velha senhora
Trôpega em passos lentos
Carregando tão pesado
Seu passado... seus talentos...
Anda lerda, tropeçando
Cumprimenta todo mundo
Desenganos na canseira
Vai feliz, curtida em anos
Lá vai ela sempre amiga
Atenciosa, toda ouvidos
Solícita, generosa
Tem tanto pra ensinar...
Lá vai a velha bondosa
Sábia, silenciosa
Cônscia do seu poder
Carrega aura de anjo
E fartura de saber
Deixa amor por onde passa
Um abraço... um afago
Um conselho se é preciso
Deixa um rastro de grandeza
Nos sorrisos, nos trejeitos
Tem a face tão marcada
Tem as mãos encarquilhadas
Leva um lenço nos cabelos
Rareados, tão branquinhos
Parecendo fios de prata...
Lá vai a nobre senhora
Para... se agacha lenta
Acode um gatinho feio
Desnutrido, magricela
E o bichano vai com ela
Anda mais... um cão vadio
Faminto, cheio de sarna
Tem ração numa sacola
Chama o cão, ele acompanha...
Oferece lá na frente
O gatinho... quer procê?
Não posso levar mais esse
Tenho pouco a oferecer...
Tem uma casa... ou melhor
Um barraco escangalhado
E no seu fogão a lenha
Um feijãozinho mirrado
Mas lá fora, no terreiro
Embaixo de uma mangueira
Vasilhas com água e ração
É pra eles... disse então
Tantos bichinhos tenho
Dou a eles o que posso
Leva um? Te dou aquele
Precisa cuidado urgente
Tão lindinho... leva ele...
(e como não levar?)

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Número 165
BENDITO É O FRUTO

Bendito seja o seu ventre
Guardando o fruto da vida
Sustentando, alimentando
Nove meses de magia...
Bendito ventre que o fruto
Cresce sugando a fonte
Gerando do mesmo sangue
O fruto que gera a vida
Bendito fruto crescendo
Expandindo, se formando
No ventre que aconchega
O fruto do seu amor...
Bendito ser carregando
O fruto no próprio ventre
Mãe....bendito é o fruto
Da sua própria semente
Bendito seja o fruto
E a alma que o sustenta
E bendito seja o útero
Habitat do seu rebento
Bendito fruto do ventre
Eclodindo para a vida
Nascendo, enxergando além
Reconhecendo na alma
O ser do qual ele vem
Bendito fruto é você
Bendito fruto sou eu
Frutos da mesma fonte
Da árvore onde nasceu
Benditos frutos de Deus...

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Número 166

FOOTING

Eram muito, muito bons

Os meus tempos de mocinha
Falo aqui das diversões
Poucas... mas tão curtidas...
Bailinhos... brincadeiras
Dançantes, plenas de vida
Aproveitava bem o tempo
Do pouco tempo que eu tinha
Pra me juntar com amigos
Que saudade, gente minha...
Éramos bem mocinhas
Eu e tantas meninas...
Sábado e Domingo à noite
Antes de ir para o clube
Primordial era o “footing”
Sim... era assim que se chamava
Mas todos diziam “fut”
Acho que quer dizer
Caminhando... será isso?
Mas vá lá, tento explicar
Caminhávamos em grupos
Por um longo passeio
No meio da única praça
Contornando o seu jardim...
Shoppings não existiam
Nem vitrines pra se olhar...
Então nós nos exibíamos
Ante olhares curiosos
Faceiros, libidinosos
Dos rapazes... parados,
Cercando as jovens damas
Nas laterais do passeio
Passávamos rindo... bobas...
Fazíamos caras e bocas
Arrumadas, perfumadas
Manequins tão desejadas...
Ah... me lembro, quanta pose
Pra mostrar os nossos dotes
Belezas jovens, saudáveis
Saudades desses namoros
Ingênuos... olho no olho
Um sorrisinho maroto
Piscadelas convidando
A donzela pra sair
Não as saídas de agora
Mas pra saírem da roda
E em pares passear
Conversar... propor namoro
Num banco do mesmo jardim
Mãos dadas... olhos nos olhos
Naquele tempo era assim...
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Número 167

RECOLHENDO OVOS

Logo pela manhã

Era praxe olhar os ninhos

Das galinhas, patos, gansos

Angolinhas e perus
Que delícia achar os ovos
Pegava, examinando
Alguns ainda quentinhos
Saídos naquela hora
Tinha pena dessas aves
Sentia até arrepios
Buraquinho tão estreito
Expelindo com aperto
Aquele ovo tão duro
Bem maior que o fiofó
Coitadinhas... sem escolha
Mas eu podia escolher
Entre ter filhos ou não
E jurava de pés juntos
Não os ter porque eu cria
Ser assim que eles nasciam
Nós mulheres expelindo
Pelo ânus... ai que dor...
E então muito eu pedia
Senhor Deus, Virgem Maria
Não permitam por favor
Criar em minhas entranhas
Uma criança que for...
Pensava em minha mãe
Tendo filho a cada ano
Tinha dó da coitadinha
E então por várias vezes
Quando um irmão nascia
Questionava como seria
Quando ela se levantasse
Com tudo assim tão aberto
Vão sair as suas tripas
Ah, Senhora bendita...
Que isso não lhe aconteça
E quando então eu a via
Se levantando da cama
Olhava logo pro chão
Pra ver se caira algo
Suspirava... que sufoco...
Êta pensamento louco...
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Número168
DONA ROSA
(Saudades de você minha linda...)

Dona Rosa de Goiás
Era senhora tão boa
Entrada nos seus oitenta
Na batalha desde os sete
Me contou muitas histórias
Doceira de mão cheia
Os fazia pra vender
Me ensinou na sua prática
A fazer doces em calda
Não tinha o que não fazia
Compotas de qualquer fruta
Fazia doce de leite
Mole, duro, puxa-puxa
Tacho enorme, fogo baixo
Num fogão improvisado
Bem no meio do quintal
Mexia com cerimônia
Não fosse quebrar o doce
Colher enorme de pau
Nunca vi tacho tão grande
Nem tanta fruta assim
Colhia mamão bem verde
Ou até mamão de vez
Pêssegos das fazendas
Todo mundo dava a ela
Cidra, abóbora, laranja
Manga, limão, carambola
Fazendeiros davam o leite
Dona Rosa se esbaldava
Toda vez que alguém chegava
Com coisas pra dar a ela
Erguia as mãos em prece
Agradecida chorava...
Eu vi, quase sempre ia lá
Preparei frutas com ela
Mexi o tacho com a pá
Avivei o fogo baixo
Aprendi tanta lição
Mulher sábia, simples, boa
Nunca vi reclamação
Benzedeira, tinha à mão
Bem rente à porta dos fundos
Plantas que sempre usava
Arruda, cheirava a casa
Tirava qualquer quebranto
Quanta gente eu vi lá
Procurando sua bênção
Experimentavam seus doces
Comiam suas quitandas
É assim que dizem lá
Pão de queijo, biscoitinhos
E broinhas de fubá
Que saudade, meu Goiás...
Terra boa, boa gente
Quando posso volto lá
Dona Rosa foi embora
Foi morar com outros anjos
Virou, na hierarquia
Arcanjo, fazendo doces
Distribuindo, adoçando
A sua grata morada...
Bendita Rosa é você...
Linda rosa perfumada
Eterna em tantas lembranças
Rosa flor, Rosa encantada...

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NÚMERO 169
SEMENTES DO BEM
Bendito aquele que passa
Semeando as suas graças
Congraçando, elevando
O melhor da sua raça
Bendito aquele que tem
Sementes pra semear
Dos frutos bons que plantou
Pra outros frutos gerar
Bendito seja aquele
Que divide o próprio fruto
Gerando sabedoria
Em qualquer lugar do mundo
Bendito seja o que sabe
Que o saber é o bem maior
E assim, colhendo traz
Ensinamentos de paz...
Bendito aquele que busca
A amizade que o eleva
Bendito é o ser que gera
O amor... Jamais a guerra
Bendito aquele que sonha
Com os grandes ideais
Bendito seja todo aquele
Que respeita seus iguais
Bendito seja o ser
Que forma elos do bem
Bendito o que transforma
E ao transformar vai além
Bendito seja também
Todo aquele que vier
Semear pelos caminhos
As sementes que tiver
Bendito aquele que tem
Semeado a boa ação
Oferecendo também
Sementes do coração...
Bendito, bendito seja
Todo aquele que plantou, alimentou
E que, plantando
Colheu, dividiu, ofereceu
As sementes do amor...
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NÚMERO 170
OS DOIS LADOS
Você já foi tão ferido
Por algo incompreendido
Razões que às vezes nem sabe
Onde está toda a verdade?
Já foi pego de surpresa
Sentiu forte um chacoalhão
Perdeu o rumo da casa
Se sentiu perdendo o chão?
E ao se recompor do susto
Parou um pouco pra olhar
Observar o outro lado
Pra entender o certo, o errado?
Sei que nada justifica
As trombadas, chacoalhadas
Impensadas desse outro
Mas sabemos que é difícil
Enxergar as nossas falhas
Achamos sempre desculpas
Pra aliviar nossas culpas
E não querendo enxergar
Achamos melhor culpar
Pois, mesmo que bem de leve
Nosso ato enfim carregue
Uma certa inocência
Não nos exime, é fato
Daquilo que provocamos
Bom então, é dar um tempo
Pra pensar e ver direito
Achando o momento certo
Pra explicar... agir correto
Evitando desamores,
Rancores e desafetos...
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NÚMERO 171
TRATANDO PORCOS
Minha mãe ficava fula
Pois sempre que me mandava
Tratar porcos , eu dizia
Tá muito sol... que mormaço...
Deixa o sol baixar um pouco...
Coitados... E os porcos esperavam
Baixar o sol e a preguiça
Quanta liça... era criança
Mas disso tenho remorso...
Eu ia mole, sem pressa
Com a lata das lavagens
E isso, pra quem não sabe
Eram restos de comida
Dormida, apodrecida
Juntada dos meus vizinhos
Cheirava podre, um horror
Eram porcos que comiam
Credo... quase vomito
Só de lembrar  me aflijo
Jogava tudo depressa
No coxo, e eles vinham
Famintos comer os restos
Depois tinha que dar água
Tirada de um poço fundo
Me imundava com os respingos
De lavagem que caiam
E então pegava a água
Me lavando da catinga
Tirava um outro balde
Dava aos porcos, puxava outro
Pra levar água pra casa
Me lembro... não dava a eles
A água suficiente
Nada entendia... tinha pressa
De acabar essa agonia
E então, quando meu pai
Matou um capacho gordo
Ao abrir,  disse não presta
Tem pipocas pelo corpo
Minha mãe falou depressa
Vai ser frito, ora essa...
Mas eu sei que disse aquilo
Pois comer era preciso
Já que esperava por meses
Obter tanta fartura
Fecharam então os olhos
Não se falou mais nisso
E tudo se aproveitou
A gordura, a carne, o couro
Mas eu sabia... faltou água
Ouvi o exclamar do vizinho
Faltou água ao coitadinho...
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NÚMERO 172
SARACURA TRÊS POTES
Meu pai era lavrador
Puxava a enxada com força
O vi tanto nessa faina
Às vezes o acompanhava
Em outras, levava o almoço
E andava, e andava...
Tropeçava em meio a terra
Revirada já em buracos
Pra enterrar suas sementes
Via ao longe aquele pai
Capinando... sol tão quente
E me vendo então chegar
Parava, encostava a enxada
Faminto... e a gente sentava
Embaixo da única árvore
Que havia em meio à roça
Conversávamos... era comum
Meu pai reclamar do tempo
Do estio prolongado ou da chuva
Que nunca vinha a seu tempo
Plantação que não nascia
Chão duro pra capinar
E eu triste então ouvia
Ao longe uma saracura
Cantando ela repetia
Parecia falar... três potes
Repetia... três potes sem parar
Achava triste esse cantar
Associava à falta d,água
Ao feijão que não nascia
Ao arroz que não cacheava
O milho... a espiga secando
Ainda sem nem granar
E a saracura cantava
Mau agouro, eu pensava
Canta, canta saracura
Peça a Deus que mande chuva
Ou para esse cantar
Canta, bela criatura...
O rio não pode secar
Seca o pranto, mas não seque
A água que a gente bebe
Que faz a planta nascer
Que faz a gente cantar
Canta ave barulhenta...
Faz o seu canto chegar
Até onde a nuvem chega
Cante e não seja agourenta...
Cante pra chuva molhar...
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Número 173
JUNTANDO OS CACOS
Juntei pedra por pedra
Que encontrei pelo caminho
Fiz com elas meu castelo
E ele ficou tão lindo...
Juntei também os meus cacos
Nada desperdicei
Aproveitei qualquer pedaço
Fiz um novo retrato
Fui montando devagar
Pincelei as minhas cores
Comecei em branco e preto
Mas quando vi, tinha feito
Meu retrato em muitas cores
Coloquei nele a moldura
Tão bonita, qual pintura
Pendurei bem junto à porta
Para todos que chegassem
Perceberem no retrato
Minhas tantas alegrias
Construídas pouco a pouco
Um pouquinho a cada dia
Juntei gravetos, folhas secas
Da árvore que plantei
Acendi então um fogo
Aqueci com ele o pouco
Da frieza que restava
Reavivei minha alma
Acendi em mim a chama
Do amor que tenho dentro
Proclamei em tom de prece
Espalhei meus sentimentos
Bradei, cantei aos quatro ventos
Não quis que ficassem presos
Guardados só pra mim
Mas sim, que se revelassem
E que em se revelando
Levassem pra todo mundo
A minha grata mensagem
De que tudo se renova
Que o mundo dá suas voltas
E que a vida é bela sim...
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NÚMERO 174

BRINCANDO DE CASINHA
Juntávamos sempre os três
Zeca, Maria e eu
Maria, minha irmã, cinco aninhos
Zeca, nosso vizinho, sete
E eu, a mais nova, três...
Brincávamos sempre juntos
Montávamos nossa casinha
No quintal da minha casa
Ou na casa do Zequinha
Era assim que era chamado
O menininho miúdo... calmo...
Muito sério e muito bom
Meio calado... Minha irmã também...
Mas eu... ah... tão tagarela
Inquieta, teimosa, incerta
Queria mandar em tudo
Pedia pra ser a mãe
Porém os dois estabeleciam
Que seriam os meus pais
Eu sempre protestava
E eles retrucavam...
Mas como? Você é a mais nova...
E é claro que eu emburrava
Então eles me diziam
Se não quiser, não brinca...
Que fazer... eu aceitava
Só pra não ficar de fora
Porque, brincar de casinha
Era a suprema glória...
Brincávamos com o que tínhamos
Latas vazias de óleo, sardinha,
Latinhas que aparecessem
Gravetos, ou qualquer coisa
Tudo virava brinquedo
Pedras, nossas comidinhas
E a terra feito barro
Virava minha papinha
Fingiam dar para mim
E eu fingia comer
E brincávamos... brincávamos...
Depois, o Zeca e a Maria
Iam juntos pra escola
E às vezes me levavam
Me deixavam em minha tia
E na volta me pegavam
Eu também tinha uma filha
Bonequinha de retalhos
Tia Antonia me fazia
Tão boa e amada tia...
De tantas coisas me lembro
Desses tempos... foi tão lindo!
E creio que o meu vizinho
Que sempre quis ser meu pai
Gostou muito de brincar...

Comigo...pois, até hoje
Convivemos, nos casamos
Foi meu pai de brincadeira
Hoje é meu companheiro
Mas continua sendo
Além de tão bom marido
Meu paizão, melhor amigo...
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NÚMERO 175
ÓRFÃOS
Era assim toda manhã
Na cidade pequenina
Eu cumpria um ritual
Gostava ir todo dia
Buscar pão na padaria
Ia alegre e sem pressa
Voltava comendo pão
Quentinho, era tão bom...
Mas eis que certa manhã
Vi movimento na rua
Frente à casa do vizinho
Curiosa, fui pra ver
Ah!... nunca mais esqueci
Triste quadro presenciei
Um silêncio... lembro bem
Nenhum choro pra quebrar
Entrei... e em meio à sala
Na mesa pobre, sem flores
Uma jovem mulher morta
E sentados, sonolentos
Seis crianças velavam
O corpo da mãe, tão pobre
Tinha dado à luz de noite
Não aguentou, pobrezinha
Cada ano um filho tinha
O sétimo, alguém cuidava
Mal havia despertado
Já sem mãe... pobre coitado...
Os outros... ah, os outros...
Seis, entre dois e oito
Dois deles, o pai levava
Tinha um em cada braço
Nunca vi tanto desgosto
Abobado, nem chorava
Minha mãe então chegou
Levou-os pra nossa casa
Fui correndo, trouxe pão
Ajudei alimentá-los
Pois pediam a mãe
Choravam, queriam colo
Tentei um certo consolo
Mas eles não aceitaram
Não me lembro de mais nada
Só sei que naquele tempo
Com os recursos tão parcos
Era muito, muito comum
As mães morrerem de parto...
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NÚMERO 176
UM CANTOR SÓ PRA MIM
Clemente habitava um sítio
Pras bandas onde eu morava
Empregado, lavrador
Homem puro, sem maldades
Meu pai assim o dizia
Não sabíamos sua idade
Mas a mim ficou ter ele
Uns quarenta, ou pouco mais
Eu ainda era criança
Quando trôpego passava
À noite... todos os sábados
Pela estrada... madrugada
E deitada em minha cama
Num velho colchão de palha
Eu sempre o esperava
Passava bêbado, coitado...
Pela estrada esburacada
Nem sei como conseguia
Mas alguém disse-me um dia
Que subia na porteira
E sentado bem no alto
Cantava então suas mágoas
Nas canções que inventava
Intermediando com choros
Era fanhoso... fanho cantava
Sem ritmo, desafinado
Um lamento... canções tristes
Será que você, Clemente
Queria pedir clemência
Pra fazer parar doer
Uma dor que  dói pungente
Que se chama dor de amor?
Qual amor que o afligia
Que mesmo em noites frias
Na cachaça e no lamento
Você inclemente curtia?
Mas então em manhã triste
João Clemente amanheceu
Todo cheio de formigas...
Bem mortinho... ai, meu Deus...
Disseram que fora roubado
No dia em que recebeu
Seus trocados por salário
Saiu à noite e bebeu
E o pegaram ao voltar
Levaram o seu dinheiro
E o mataram sem clemência
Nem as vestes lhe sobraram
Ah... que tristeza... um horror...
Foi embora o bom Clemente
Nunca mais o meu cantor...

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NÚMERO 177
VI VOCÊ(Onde quer que você esteja, vejo você, querida...)
Vi você... vi seu sofrer
Soluçava a dor sentida
Não chore, minha querida...
Tudo se acerta, vai ver...
Vi você em longo pranto
Vi você em desencanto
Da vida desencantada
Que dor essa, que dói tanto...
Vi você desesperada
Querendo terminar tudo
Sem nenhuma perspectiva
Alheia... longe do mundo
Vi você buscando longe
Tão distante, errando os passos
A você eu enlacei
Envolvi em forte abraço...
Vi você voltando á vida
Tateando...devagar...
Acordando... descobrindo
Reciclando o seu melhor
Vi você se levantando
Se refazendo das cinzas
Se alegrando pouco a pouco
Curando suas feridas...
Vi você  forte qual cedro
Consolando a dor alheia
Tão feliz, tão encantada
Gostando tanto da vida...
Vi você me consolando
Me enlaçando em forte laço
Me joguei, chorei a dor
No amor do seu abraço...
Vi você tão minha amiga
Minha irmã, minha querida
Cumplice no meu sofrer
Vi você tão despojada
Esquecida de você
Se entregando sem pensar
Curando minhas feridas...
E quando as dores me vêm
Vez ou outra me sondar
Fecho os olhos, vejo bem
Com a alma , o seu olhar
Me consolo com você
Pois sei que o seu espírito
Melhor que ninguém me vê....
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NÚMERO 178
MOÇA VIRGEM
Há tempos, bem lá atrás
Virgindade era moda
Exigida, obrigada
Cantada em verso e prosa
Por isso toda donzela
Era sempre vigiada
Casar virgem, sim, senhores....
Era coisa obrigatória
Pra mulher...o homem não
Homem virgem, se soubessem
Recebia olhares tortos
Escárnio...donzelo frouxo
Mas a mulher... Deus o livre
Seu valor estava nisso
Ah, se não fosse virgem....
Tinha falta de juizo
Descaramento, indecência
Pura sem-vergonhice
E se arrumasse filho...
Despencava então a casa
Era expulsa, execrada
Vergonha da sociedade
Julgada sem piedade
Sua fama não prestava
Me lembro de uma mocinha
Na cidade pequenina
Onde isso era pior
Engravidou, tão menina...
Comprovou-se desde cedo
Que era fruto de um estupro
Qual o que...não houve meios
Expulsaram-na de casa
Sem nenhuma compaixão
pobrezinha...ah, que pena...
Nem me lembro no que deu
Saiu chorando sem rumo
Outro vizinho acolheu
Seus pais nunca perdoaram
O gesto do bom vizinho
Preferiam ver a pobre
Junto com a criança
Perdidas nos seus caminhos....
               
...................................................................
NÚMERO 179
UM ANIMALZINHO PRA BRINCAR
Não, não era brinquedo
Mas feito de carne e osso
Tão pequenino o bichinho
Pobre coitado... indefeso, tinha medo
Corria...manquitola, se escondia
Só encontrava sossego algumas horas
E assim mesmo, creio eu
Curtindo as suas dores
Enquanto os seus amiguinhos
Permaneciam na escola...
E, perguntado à mãe
Porque mancava o bichinho,
Tranquila, me respondeu:
Teve a perninha quebrada
É coisa desses meninos...
Fazem dele o que querem
Ah...eu deixo...dão sossego...
Não tenho tempo...nem vejo...
E o bichinho, indefeso
Ia de mão em mão
Quatro crianças, coitado...
O puxavam pelo rabo
Levava chute, pisão
Gritava, o pobrezinho
Perguntei...não têm dó?
Responderam...não temos não...
E a mãe, jovem ainda
Tida por gente fina
Quis continuar conversa
Não consegui, senti nojo
Daquela mulher perversa
Levantei-me...fui embora....
Mas não sem antes dizer
Coitado desse cãozinho....
Ele sente a mesma dor
Que sentiriam vocês...
Por favor, não façam isso...
E um deles me respondeu...
Ah... eu nem ligo....
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NÚMERO 180
UM ASSALTO DIFERENTE
Ia eu bela tardinha
Começava a escurecer...
Andando lá por Pinheiros
Belo bairro de São Paulo
Parou-me então um sujeito
Bem vestido, bem tratado
Foi logo dizendo baixo
Moça, você tem horas?
Parei e o olhei de perto
Com simpatia, sorri
Achei bom o termo moça
Com o qual me abordou
E respondi amigável
Me desculpe, mas não tenho...
E Ele, sem se abalar
Me falou de sopetão...
Mas grana, você tem
Me passa toda, então...
Eu respondi, tenho pouca
Mas lhe dou a que tiver
Ele me fez menção
Ter uma arma escondida
Peguei logo os cem reais
Única nota que eu tinha
Dei a ele que sorriu
E me falou... valeu, moça...
E ainda agradeceu...
Me dei conta que sorri...
Penso que foi de nervoso...
E quando alguém me disse
Achar muito cem reais,
Eu respondi... depende...
Pra que lado eu levar...
Digamos que eu paguei
Cinquenta reais por vez
Que me chamou de moça...
Gostei, pois na minha idade
Ser chamada assim,
É pura felicidade...
Compensou pela alegria,
Porque isso me valeu,
Por anos de terapia....
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NÚMERO 181
MANHÃ FELIZ....
Hoje acordei bem cedo
Saí por aí sem rumo
Delícia andar sem prumo
Sem saber pra onde ir...
Só andar olhando o mundo
Cumprimentando quem passa
E se houvesse uma praça
Eu me sentaria lá...
E andei, andei, andei...
Pouca gente pelas ruas
Em Sampa, lá em Pinheiros....
Sete horas da manhã...
Tomei café numa esquina
Desses de coador
Conversei com a menina
Que me serviu pão de queijo
Sentei á mesa e ela veio
Desenvolta, me falou...
Bonito, o seu cabelo...
Agradeci, ela voltou
Servir atrás do balcão
Vontade de dar um beijo
Simpatia de menina...
Alegre assim, de manhã...
Servindo tão bem a todos...
Saí, falei tchau pra ela
Que me deu lindo sorriso
Desejou-me um belo dia
Andei mais....me vi feliz
Mais adiante, um homem velho
Senhorzinho de andar trôpego
Cumprimentou-me com gosto
Devolvi um sorriso doce...
Fui adiante.... olhei vitrines
Me encantei com tantos livros
Expostos num sebo antigo
Seu dono estava lá...
Me ofereceu cafezinho
Tomamos juntos... delícia
Conversamos sem parar
Falamos de tantas coisas...
Mostrou-me uns livros raros
Tão ou mais antigos que eu
Saí encantada de lá...
E andei... andei... andei...
Sem vontade de voltar...
Ah, meu Deus... como foi bom
Sair atoa, sem pressa...
Assim, só pra observar
O transeunte passar
Ver a vida de manhã
E com tudo me encantar...
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Número 182
CHUVA DE ROSAS
Sonhei numa bela noite
Com pétalas caindo aos montes
Vinham em muitas cores
Vermelhas, brancas, douradas...
A prata predominava
Tinha pétalas azuis
Um azul que eu nunca vi
E as pétalas ao cair
Viravam asas de anjos
Desciam caindo... vindo...
Sem ter pressa de chegar
Vinham todas sobre mim   
Avalanches em cascatas
Tanta rosa eu nunca vi...
Beleza rara, instigante...
Seriam rosas daqui?
Não... beleza tão radiante                               
Como eu nunca, nunca vi...
Deu-me a plena certeza....
Elas não vinham daqui...
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183
PÉS NO CHÃO
Minha mãe plantava horta
Pequena, mas dá pro gasto...
Dizia enquanto colhia
Salsinha, cebola e alho
Tinha alface, almeirão
Chicória, rúcula, couve
E ao lado, rente à cerca
Tomate, chuchu, quiabo...
Sempre amei plantações
Ou qualquer planta que fosse
Tenho encanto pelas hortas
Quando saio, aguço os olhos
Viajando, olho ás voltas
E assim que vejo
Nossa....que bela horta!
Sou terra, sou pés no chão...
Tenho em mim uma roceira
Plantadeira, fuçadeira
Saio ás vezes por aí
Procurando, vou buscando
Encontrar plantinha ou outra
Rente aos muros ou às cercas
E mesmo em terras baldias
Alguma planta nativa
Serralha... até tiririca
Que aproveito... sei  usar
Tiririca feito suco
Melhora nossa saúde
Serralha...faz tanto bem
Pra pele e digestão
Ah... têm muitas outras também
Que agora nem lembro os nomes
Mas se encontro as reconheço
Fico alegre, acho bom
Aproveito-as quando posso
Sou terra...sou pés no chão...
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184
ESTRANHO HOMEM
Certa vez, estranho homem
Pedinte... passou por lá
Na casa pequena e pobre
Nem bateu, foi logo entrando
Dizia estar com fome
Minha mãe o atendeu
Deu-lhe um prato de comida
Rente à porta ele sentou
Comeu feito cão faminto
Não falava... olhava só
Encarava... era enorme
O homem que me ficou
Minha mãe apavorou-se
Nossa casa em lugar ermo
Só a nós... éramos seis
Crianças...  Meu pai ausente
Minha mãe olhava longe
Na esperança do meu pai
Chegar... já escurecia
E o homem calado olhava
Mirando firme a barriga
Tão grande da minha mãe
Prenha, já quase pronto
O filho que havia lá
E o pedinte que não ia...
Não saía do lugar...
Sua barba tão comprida
Nem dava pra precisar
Seu rosto, se era belo...
Ancião ele não era...
Minha mãe com tanto medo
Me pediu para rezar
Pra que ele fosse embora
Procurasse outro lugar...
Ou que o marido chegasse
E acabasse a agonia
Mas o homem não se ia...
E então, já bem noitinha
Acendidas as lamparinas
O homem se levantou
Pediu água e ciciou
Tinha voz doce, macia...
Olhou firme sua barriga,
E com palavras bem ditas
Ele então pronunciou...
Tens aí belo guri...
Fez-lhe curta reverência
Agradeceu, foi embora
Minha mãe nada falou
E quando chegou meu pai
Tudo a gente lhe contou
Mais uns dias se passaram
Nasceu um forte menino
De olhos claros... tão lindo!...
Coincidência?  Não sei...
Dizem que não existe....
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Número 185
UM SONHO LINDO
Flores contornando cores
Amarelas feito ouro
Brilhavam na leve brisa
Espalhando um sol de amores
Um riacho cristalino
Transparente feito vidro
Vaquinha branca... tão branca
Qual algodão florido...
Uma grama bem verdinha
De um verde puro... lindo!
Formavam em seus contornos
O quadro mais expressivo...
E eu, chegando mansinho
Tão leve, que levitava...
Contemplei aquele quadro
Raro... perfeito... divino...
Tento...mas não dá pra descrever
A beleza que continha
Sentia leveza tal
Qual pluma que a brisa leva
Enlevada, observei
A vaquinha que me olhando,
Parou de beber a água
Do mais límpido riacho
E me vendo transparente
Com seu olhar inocente
Segredou-me algumas coisas
Me falou com sua mente...
Pediu-me guardar segredo
Não me lembro... ah, que pena...
Quais segredos segredou-me
Que segredos eram eles?
Mas estão em mim, eu sei...
Sinto paz quando relembro
Sonho lindo, imortal
Um desejo de voltar
Contemplar aquele quadro
Tão divino... Inusitado...
Tão perfeito... tão real...