segunda-feira, 30 de setembro de 2013

número 165 a 175



Número 165
BENDITO É O FRUTO

Bendito seja o seu ventre
Guardando o fruto da vida
Sustentando, alimentando
Nove meses de magia...
Bendito ventre que o fruto
Cresce sugando a fonte
Gerando do mesmo sangue
O fruto que gera a vida
Bendito fruto crescendo
Expandindo, se formando
No ventre que aconchega
O fruto do seu amor...
Bendito ser carregando
O fruto no próprio ventre
Mãe....bendito é o fruto
Da sua própria semente
Bendito seja o fruto
E a alma que o sustenta
E bendito seja o útero
Habitat do seu rebento
Bendito fruto do ventre
Eclodindo para a vida
Nascendo, enxergando além
Reconhecendo na alma
O ser do qual ele vem
Bendito fruto é você
Bendito fruto sou eu
Frutos da mesma fonte
Da árvore onde nasceu
Benditos frutos de Deus...
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Número 166
FOOTING
Eram muito, muito bons
Os meus tempos de mocinha
Falo aqui das diversões
Poucas... mas tão curtidas...
Bailinhos... brincadeiras
Dançantes, plenas de vida
Aproveitava bem o tempo
Do pouco tempo que eu tinha
Pra me juntar com amigos
Que saudade, gente minha...
Éramos bem mocinhas
Eu e tantas meninas...
Sábado e Domingo à noite
Antes de ir para o clube
Primordial era o “footing”
Sim... era assim que se chamava
Mas todos diziam “fut”
Acho que quer dizer
Caminhando... será isso?
Mas vá lá, tento explicar
Caminhávamos em grupos
Por um longo passeio
No meio da única praça
Contornando o seu jardim...
Shoppings não existiam
Nem vitrines pra se olhar...

Então nós nos exibíamos
Ante olhares curiosos
Faceiros, libidinosos
Dos rapazes... parados,
Cercando as jovens damas
Nas laterais do passeio
Passávamos rindo... bobas...
Fazíamos caras e bocas
Arrumadas, perfumadas
Manequins tão desejadas...
Ah... me lembro, quanta pose
Pra mostrar os nossos dotes
Belezas jovens, saudáveis
Saudades desses namoros
Ingênuos... olho no olho
Um sorrisinho maroto
Piscadelas convidando
A donzela pra sair
Não as saídas de agora
Mas pra saírem da roda
E em pares passear
Conversar... propor namoro
Num banco do mesmo jardim
Mãos dadas... olhos nos olhos
Naquele tempo era assim...
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Número 167
RECOLHENDO OVOS
Logo pela manhã
Era praxe olhar os ninhos
Das galinhas, patos, gansos
Angolinhas e perus
Que delícia achar os ovos
Pegava, examinando
Alguns ainda quentinhos
Saídos naquela hora
Tinha pena dessas aves
Sentia até arrepios
Buraquinho tão estreito
Expelindo com aperto
Aquele ovo tão duro
Bem maior que o fiofó
Coitadinhas... sem escolha
Mas eu podia escolher
Entre ter filhos ou não
E jurava de pés juntos
Não os ter porque eu cria
Ser assim que eles nasciam
Nós mulheres expelindo
Pelo ânus... ai que dor...
E então muito eu pedia
Senhor Deus, Virgem Maria
Não permitam por favor
Criar em minhas entranhas
Uma criança que for...
Pensava em minha mãe
Tendo filho a cada ano
Tinha dó da coitadinha
E então por várias vezes
Quando um irmão nascia
Questionava como seria
Quando ela se levantasse
Com tudo assim tão aberto
Vão sair as suas tripas
Ah, Senhora bendita...
Que isso não lhe aconteça
E quando então eu a via
Se levantando da cama
Olhava logo pro chão
Pra ver se caira algo
Suspirava... que sufoco...
Êta pensamento louco...
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 Número 168
DONA ROSA
Dona Rosa de Goiás
Era senhora tão boa
Entrada nos seus oitenta
Na batalha desde os sete
Me contou muitas histórias
Doceira de mão cheia
Os fazia pra vender
Me ensinou na sua prática
A fazer doces em calda
Não tinha o que não fazia
Compotas de qualquer fruta
Fazia doce de leite
Mole, duro, puxa-puxa
Tacho enorme, fogo baixo
Num fogão improvisado
Bem no meio do quintal
Mexia com cerimônia
Não fosse quebrar o doce
Colher enorme de pau
Nunca vi tacho tão grande
Nem tanta fruta assim
Colhia mamão bem verde
Ou até mamão de vez
Pêssegos das fazendas
Todo mundo dava a ela
Cidra, abóbora, laranja
Manga, limão, carambola
Fazendeiros davam o leite
Dona Rosa se esbaldava
Toda vez que alguém chegava
Com coisas pra dar a ela
Erguia as mãos em prece
Agradecida chorava...
Eu vi, quase sempre ia lá
Preparei frutas com ela
Mexi o tacho com a pá
Avivei o fogo baixo
Aprendi tanta lição
Mulher sábia, simples, boa
Nunca vi reclamação
Benzedeira, tinha à mão
Bem rente à porta dos fundos
Plantas que sempre usava
Arruda, cheirava a casa
Tirava qualquer quebranto
Quanta gente eu vi lá
Procurando sua bênção
Experimentavam seus doces
Comiam suas quitandas
É assim que dizem lá
Pão de queijo, biscoitinhos
E broinhas de fubá
Que saudade, meu Goiás...
Terra boa, boa gente
Quando posso volto lá
Dona Rosa foi embora
Foi morar com outros anjos
Virou, na hierarquia
Arcanjo, fazendo doces
Distribuindo, adoçando
A sua grata morada...
Bendita Rosa é você...
Linda rosa perfumada
Eterna em tantas lembranças
Rosa flor, Rosa encantada...
(Saudades de você minha linda...)
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NÚMERO 169
SEMENTES DO BEM
Bendito aquele que passa
Semeando as suas graças
Congraçando, elevando
O melhor da sua raça
Bendito aquele que tem
Sementes pra semear
Dos frutos bons que plantou
Pra outros frutos gerar
Bendito seja aquele
Que divide o próprio fruto
Gerando sabedoria
Em qualquer lugar do mundo
Bendito seja o que sabe
Que o saber é o bem maior
E assim, colhendo traz
Ensinamentos de paz...
Bendito aquele que busca
A amizade que o eleva
Bendito é o ser que gera
O amor... Jamais a guerra
Bendito aquele que sonha
Com os grandes ideais
Bendito seja todo aquele
Que respeita seus iguais
Bendito seja o ser
Que forma elos do bem
Bendito o que transforma
E ao transformar vai além
Bendito seja também
Todo aquele que vier
Semear pelos caminhos
As sementes que tiver
Bendito aquele que tem
Semeado a boa ação
Oferecendo também
Sementes do coração...
Bendito, bendito seja
Todo aquele que plantou, alimentou
E que, plantando
Colheu, dividiu, ofereceu
As sementes do amor...
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 NÚMERO 170
OS DOIS LADOS
Você já foi tão ferido
Por algo incompreendido
Razões que às vezes nem sabe
Onde está toda a verdade?
Já foi pego de surpresa
Sentiu forte um chacoalhão
Perdeu o rumo da casa
Se sentiu perdendo o chão?
E ao se recompor do susto
Parou um pouco pra olhar
Observar o outro lado
Pra entender o certo, o errado?
Sei que nada justifica
As trombadas, chacoalhadas
Impensadas desse outro
Mas sabemos que é difícil
Enxergar as nossas falhas
Achamos sempre desculpas
Pra aliviar nossas culpas
E não querendo enxergar
Achamos melhor culpar
Pois, mesmo que bem de leve
Nosso ato enfim carregue
Uma certa inocência
Não nos exime, é fato
Daquilo que provocamos
Bom então, é dar um tempo
Pra pensar e ver direito
Achando o momento certo
Pra explicar... agir correto
Evitando desamores,
Rancores e desafetos...
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 NÚMERO 171
TRATANDO PORCOS
Minha mãe ficava fula
Pois sempre que me mandava
Tratar porcos , eu dizia
Tá muito sol... que mormaço...
Deixa o sol baixar um pouco...
Coitados... E os porcos esperavam
Baixar o sol e a preguiça
Quanta liça... era criança
Mas disso tenho remorso...
Eu ia mole, sem pressa
Com a lata das lavagens
E isso, pra quem não sabe
Eram restos de comida
Dormida, apodrecida
Juntada dos meus vizinhos
Cheirava podre, um horror
Eram porcos que comiam
Credo... quase vomito
Só de lembrar  me aflijo
Jogava tudo depressa
No coxo, e eles vinham
Famintos comer os restos
Depois tinha que dar água
Tirada de um poço fundo
Me imundava com os respingos
De lavagem que caiam
E então pegava a água
Me lavando da catinga
Tirava um outro balde
Dava aos porcos, puxava outro
Pra levar água pra casa
Me lembro... não dava a eles
A água suficiente
Nada entendia... tinha pressa
De acabar essa agonia
E então, quando meu pai
Matou um capacho gordo
Ao abrir,  disse não presta
Tem pipocas pelo corpo
Minha mãe falou depressa
Vai ser frito, ora essa...
Mas eu sei que disse aquilo
Pois comer era preciso
Já que esperava por meses
Obter tanta fartura
Fecharam então os olhos
Não se falou mais nisso
E tudo se aproveitou
A gordura, a carne, o couro
Mas eu sabia... faltou água
Ouvi o exclamar do vizinho
Faltou água ao coitadinho...
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NÚMERO 172
SARACURA TRÊS POTES
Meu pai era lavrador
Puxava a enxada com força
O vi tanto nessa faina
Às vezes o acompanhava
Em outras, levava o almoço
E andava, e andava...
Tropeçava em meio a terra
Revirada já em buracos
Pra enterrar suas sementes
Via ao longe aquele pai
Capinando... sol tão quente
E me vendo então chegar
Parava, encostava a enxada
Faminto... e a gente sentava
Embaixo da única árvore
Que havia em meio à roça
Conversávamos... era comum
Meu pai reclamar do tempo
Do estio prolongado ou da chuva
Que nunca vinha a seu tempo
Plantação que não nascia
Chão duro pra capinar
E eu triste então ouvia
Ao longe uma saracura
Cantando ela repetia
Parecia falar... três potes
Repetia... três potes sem parar
Achava triste esse cantar
Associava à falta d,água
Ao feijão que não nascia
Ao arroz que não cacheava
O milho... a espiga secando
Ainda sem nem granar
E a saracura cantava
Mau agouro, eu pensava
Canta, canta saracura
Peça a Deus que mande chuva
Ou para esse cantar
Canta, bela criatura...
O rio não pode secar
Seca o pranto, mas não seque
A água que a gente bebe
Que faz a planta nascer
Que faz a gente cantar
Canta ave barulhenta...
Faz o seu canto chegar
Até onde a nuvem chega
Cante e não seja agourenta...
Cante pra chuva molhar...

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Número 173
JUNTANDO OS CACOS
Juntei pedra por pedra
Que encontrei pelo caminho
Fiz com elas meu castelo
E ele ficou tão lindo...
Juntei também os meus cacos
Nada desperdicei
Aproveitei qualquer pedaço
Fiz um novo retrato
Fui montando devagar
Pincelei as minhas cores
Comecei em branco e preto
Mas quando vi, tinha feito
Meu retrato em muitas cores
Coloquei nele a moldura
Tão bonita, qual pintura
Pendurei bem junto à porta
Para todos que chegassem
Perceberem no retrato
Minhas tantas alegrias
Construídas pouco a pouco
Um pouquinho a cada dia
Juntei gravetos, folhas secas
Da árvore que plantei
Acendi então um fogo
Aqueci com ele o pouco
Da frieza que restava
Reavivei minha alma
Acendi em mim a chama
Do amor que tenho dentro
Proclamei em tom de prece
Espalhei meus sentimentos
Bradei, cantei aos quatro ventos
Não quis que ficassem presos
Guardados só pra mim
Mas sim, que se revelassem
E que em se revelando
Levassem pra todo mundo
A minha grata mensagem
De que tudo se renova
Que o mundo dá suas voltas
E que a vida é bela sim...
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 NÚMERO 174

 
BRINCANDO DE CASINHA
Juntávamos sempre os três
Zeca, Maria e eu
Maria, minha irmã, cinco aninhos
Zeca, nosso vizinho, sete
E eu, a mais nova, três...
Brincávamos sempre juntos
Montávamos nossa casinha
No quintal da minha casa
Ou na casa do Zequinha
Era assim que era chamado
O menininho miúdo... calmo...
Muito sério e muito bom
Meio calado... Minha irmã também...
Mas eu... ah... tão tagarela
Inquieta, teimosa, incerta
Queria mandar em tudo
Pedia pra ser a mãe
Porém os dois estabeleciam
Que seriam os meus pais
Eu sempre protestava
E eles retrucavam...
Mas como? Você é a mais nova...
E é claro que eu emburrava
Então eles me diziam
Se não quiser, não brinca...
Que fazer... eu aceitava
Só pra não ficar de fora
Porque, brincar de casinha
Era a suprema glória...
Brincávamos com o que tínhamos
Latas vazias de óleo, sardinha,
Latinhas que aparecessem
Gravetos, ou qualquer coisa
Tudo virava brinquedo
Pedras, nossas comidinhas
E a terra feito barro
Virava minha papinha
Fingiam dar para mim
E eu fingia comer
E brincávamos... brincávamos...
Depois, o Zeca e a Maria
Iam juntos pra escola
E às vezes me levavam
Me deixavam em minha tia
E na volta me pegavam
Eu também tinha uma filha
Bonequinha de retalhos
Tia Antonia me fazia
Tão boa e amada tia...
De tantas coisas me lembro
Desses tempos... foi tão lindo!
E creio que o meu vizinho
Que sempre quis ser meu pai
Gostou muito de brincar...

Comigo...pois, até hoje
Convivemos, nos casamos
Foi meu pai de brincadeira
Hoje é meu companheiro
Mas continua sendo
Além de tão bom marido
Meu paizão, melhor amigo...
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NÚMERO 175
ÓRFÃOS
Era assim toda manhã
Na cidade pequenina
Eu cumpria um ritual
Gostava ir todo dia
Buscar pão na padaria
Ia alegre e sem pressa
Voltava comendo pão
Quentinho, era tão bom...
Mas eis que certa manhã
Vi movimento na rua
Frente à casa do vizinho
Curiosa, fui pra ver
Ah!... nunca mais esqueci
Triste quadro presenciei
Um silêncio... lembro bem
Nenhum choro pra quebrar
Entrei... e em meio à sala
Na mesa pobre, sem flores
Uma jovem mulher morta
E sentados, sonolentos
Seis crianças velavam
O corpo da mãe, tão pobre
Tinha dado à luz de noite
Não aguentou, pobrezinha
Cada ano um filho vinha
O sétimo, alguém cuidava
Mal havia despertado
Já sem mãe... pobre coitado...
Os outros... ah, os outros...
Seis, entre dois e oito
Dois deles, o pai levava
Tinha um em cada braço
Nunca vi tanto desgosto
Abobado, nem chorava
Minha mãe então chegou
Levou-os pra nossa casa
Fui correndo, trouxe pão
Ajudei alimentá-los
Pois pediam pela mãe
Choravam, queriam colo
Tentei um certo consolo
Mas eles não aceitaram
Não me lembro de mais nada
Só sei que naquele tempo
Com os recursos tão parcos
Era muito, muito comum
As mães morrerem de parto...
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