quinta-feira, 6 de agosto de 2015

ÚLTIMOS TEXTOS PARA O SEGUNDO LIVRO

n. 256
FARDOS LEVES
Levo leve o meu fardo
Já levei fardos pesados
Arcando, arcada
Dos duros fardos
São toneladas somando...
Perco as contas dos meus fardos
Levados durante anos
Deixados aos poucos
Jogados por aí
Sim... eu me atrevi
A olhá-los bem de frente
E dizer a mim
A mim, somente;
Chega de pesar tanto...
E então, os tornei leves
E não se atrevam a dizer
Que não mereço suaves fardos
Eu sei... todos merecem
Mas se hoje
Os meus fardos são leves,
É porque
Por mais fardos que eu carregue
Aprendi ver de outro modo
Os pesos que a vida impõe...
Eles não me enfadam tanto
E é pensando somente nos prós
Que a vida tem me entregue,
Não me entrego
Nem me submeto mais
A carregar certos fardos
Mas quando alguns aparecem
Já não me incomodam tanto
Pois são breves
Meus fardos leves...


n. 257

LUA AZUL
Esplendorosa lua...
Eu nunca a vi
Igual àquela noite
Em que você, vibrante
Apareceu azul...
A beleza do céu
Era toda sua
Pois, qual fada cintilante
Você surgiu majestosa
Vestida em luz
Coroada em muitas cores...
Era como se um arco Iris
Circundando, enfeitando,
A colorisse ainda mais
Em infinitos tons;
Como se você precisasse...
Até as estrelas,
Pareciam encantadas
Ao vê-la assim...
Luz... tanta beleza e graça
São graças do céu
São manifestações de Deus
Mostrando a todos
Ricos e pobres,
Plebeus e nobres,
A sua generosidade engrandecida
Na força da fertilidade...
Lua mágica, grandiosa
Se mostrando plena e majestosa
Nos encantando em silêncio...
Sem alarde... sem pressa,
De ir embora e nos deixar...
Lua com poderes sobrenaturais
Emprestando ao mar, a sua força
E à terra, maior grandiosidade...
Luz argêntea, altaneira
Eterna companheira
Nas noites de solidão
Quando em prece
Imploramos o perdão
Dos nossos erros...
Lua dos doces desejos
Buscados lá no alto;
Lua, que em meio às estrelas
Derrama cheia de graça,
As sementes do bem
Nos proporcionando
Amor, paz, alegria
Lua que vai além

Magia que nos convém...


n. 258

BRUTOS E CHULOS

É muito, muito difícil
Eu diria impossível
Lidar com os brutos
Pois são o inverso da razão
E ignorantes em tudo,
Não dão frutos
Perdem sempre a mão,
No trato com as pessoas
Não é à toa
Que são sempre rejeitados
Pois são verdadeiros bolhas
Sem conteúdo... chulos...
Não conhecem gentilezas... sutilezas...
Vivem mergulhados
Na eterna pobreza de espírito
A nobreza lhes passou longe
A meu ver, não têm conflitos
Nas suas almas cruas
Desnudas de ternura;
Lhes falta caráter,
E em seus eternos egoísmos
Não enxergam o outro;
Muitas vezes, nós, incautos,
Pensamos que eles nos veem
Ledo engano...
Fingem que olham
Mas não estão enxergando;
Lidar com os brutos,
É perder o nosso tempo
É ficar frente a frente
Com o reles, o banal,
O feio, o desigual
Quando certamente,
Temos tantas coisas mais
Pra cuidar... sentir... olhar...
Me pergunto sempre
O que foi que aconteceu
Com gente que emperrou
Não aprendeu, não entendeu
Mesmo que só um pouco
Como é ser mais sutil
Menos bronco... mais gentil
Sabe...Sinto às vezes como afronta
O tratar dessas pessoas
Mas é só por uns momentos
Pois logo penso...
Pobres coitados... deixa pra lá
Porque com esses
Que beiram a jumentos,
Não há o que dê jeito
Nem os mais sábios argumentos...


n. 259

LONGA ESPERA...
Quando ela assim tão bela
Se deu conta que ainda
Não encontrara um grande amor,
Sem pudor, saiu lá fora
E ao ver o céu de estrelas
Reluzindo em pontos mil,
Procurou a lua cheia
E em prece então pediu
Que a deusa encantada
Angêntea, iluminada,
Lhe trouxesse um homem bom
Belo, forte e viril
Para amá-la sem reservas...
Pediu que não houvesse espera
Pois urgia saciar
Seus mais prementes desejos
Na sua sede de amar...
E feito o seu pedido
Afastou-se lentamente
Disse adeus à bela fada
E deitada no seu leito
Acordou ainda em êxtase
De um sonho tão real...
Desde então, todas as noites
Açoitada em seus anseios,
Em silêncio, olha o céu
Dialoga com a lua
Faz sempre os mesmos pedidos
Depois se recolhe nua
E sonhando os mesmos sonhos
Entre pensamentos mil,
Se entrega ao encontro
Do homem belo, forte, viril...



n. 260

A VELHINHA
Lentamente a mulher velha,
Distanciou-se de mim;
Eu fiquei observando
Seus passos lentos
Cambaleantes e curtos
Sua silhueta lembrando
Um anjo cansado e curvo
Tão antigo anjo surdo
De ouvir tanto impropério
Carregar segredos tantos
Mistérios de longa vida...
Eu olhava lá ao longe
A anciã se afastando
E fiquei fazendo as contas
De quantos anos ainda
Teria eu pra caminhar,
Esses meus passos rápidos;
E então me dei conta
Que já nem ouço tão bem
Me dei conta também
Que me canso muito mais
Do que algum tempo atrás
E que na minha memória
Já não há mais tanta história
Pra me lembrar de contar...
Fiquei tempo observando
A velhinha se afastar...
Ah... como ela se demorou
Pra dobrar aquela esquina...
Então, eu me vi menina
Correndo de lá pra cá;
Não quis mais me preocupar
Com os anos que ainda,
Eu teria pela frente
Até porque, eu pensei,
Pode ser que ao dobrar
Uma dessas esquinas,
Eu nem mais esteja aqui
Pra me sentir tão velhinha...
N. 261

O GRANDE CIRCO

Palhaços
Bailarinas
Trapezistas
Equilibristas
Nosso circo é sem igual...
Dramas, comédias,
Choros, tragédias
E o calhambeque sem breque
Desconjunta...desmonta...
Alegria sem conta
Onde tudo se apronta...
Rimos das palhaçadas
Choramos por nada
Na apoteose,
Juntamos os pedaços;
Tudo se encaixa...
Na corda bamba, 
Somos peritos
Somos palhaços convictos
Quebramos pratos
Juntamos cacos;
No vai e vem do trapézio,
Deixamos o tédio
Fingimos não perceber
Nossa tendência ao ter
Que nos assedia
Dia e noite
Noite e dia
Procuramos nos conter
Quando a vida nos alerta
Que o importante é ser...
Vivemos todos 
Num circo sem igual
Preferimos o banal
Achamos tediosos
Certos rituais
Somos palhaços de nós
Queremos ter voz
Mas nos calamos
Quando calar não precisamos
Falamos demais
Quando é preciso calar;
Muitas e muitas vezes,
Este é o circo dos horrores
Mas entre pedras e flores
Ao tirarmos nossas máscaras,
Nos deparamos com coisas
Simplesmente fantásticas...
É...nosso circo é completo
Repleto de fantasias
Nostalgia, sonhos, alegrias
Sua tenda é imensa
Generosa, abriga a todos
Ricos e pobres,
Velhos e jovens
E entre dores e alegrias
Bem ou mal,
Nosso circo é magia
Nosso circo, é sem igual....

N. 262

O GRITO
Há um grito
Preso na garganta
Do homem velho
Ancião sofrido
Curtido no tempo;
É preciso chorar
Tanto choro contido...
Há uma lágrima furtiva
Rolando, queimando o rosto...
Há uma alma ferida
Maculando o corpo
E um coração em chamas
Clamando curar a vida...
Há um homem em prantos
Carregando imensa dor;
Há um velho cansado
De ver e assistir calado
As torpezas deste mundo
Há um sofrer profundo
No bondoso ancião
Há um doer bem fundo
Buscando na razão
O porque de tanto mal
E sem encontrar resposta
Faz a proposta 
De um dia melhorar
Um pouquinho que seja
Tão penoso lugar...
Então, cessa o pranto
Seca as lágrimas
E acalma o coração;
Não há razão
Para sofrer tanto
E assim, tal qual o amanhecer,
Ele renova a alma...
Seu espírito engrandece
Louva, se acalma, agradece
Volta as preces para o alto
Arrefece a própria dor
Olha o outro com ternura
Já não sofre;
Sim...a dor do outro,
É sua também
Mas compreende
Que o seu sofrer
Não atenua
O sofrimento de ninguém
Então, em silêncio,
Abraça a vida
Transcende a dor
Acende o espírito
Faz preces ao seu irmão
E segue em paz;
Sua alma se tornou leve
Pulsa alegre o coração...

n. 263

PERPÉTUA
Perpétua era mulher-dama
E se perpetuava na cama
Como diziam muitos,
Quando esse era o assunto...
Coronéis, políticos, nobres,
Senhores cheios de cobres
Procuravam amiúde por ela;
Diziam que era puta
De grande categoria
Para alegria de muitos
E tristeza da minoria
Perpétua, comumente
Era assunto nas altas rodas
Alguns a homenageavam
Mas senhoras pudorentas
A chamavam de vadia
Quenga dada às orgias
E Perpétua nem ligava
Ou ela assim se fazia...
Tinha casa de perdição
como todos diziam;
Os homens a procuravam
Não só por precisão
De desafogar o sexo
Mas também para fazerem
Confidências de alcova
Falar de coisas sem nexo
Botar pra fora a tristeza
Ou qualquer preocupação
Perpétua era mulher bela
E de enorme coração
Dizia pra todo mundo
Que o dinheiro não era seu
Dividia com os pobres,
Crianças gostavam dela
Muitas a chamavam por tia;
Perpétua era senhora
De imensa serventia
Mas um dia a tal dama
Se viu triste, acabrunhada
Pois nos seus quase quarenta
Ficou prenhe...ah, coitada...
Foi então que o coronel
Já chegado nos setenta
Encontrou um bom motivo
Pra agarrar o seu pitéu
Ofereceu de um tudo
Pra poder ficar com ela
Se tornando assim o pai
Do seu único herdeiro
Que a bem da grande verdade
Quem era o pai verdadeiro,
Nunca, nunca foi sabido
E fazia todo o sentido;
Perpétua então se tornou
Madame nas altas rodas...
As outras nunca engoliram
A ascensão da tal senhora
Mas o coronel Eurico
Era homem de poder
Então fez prevalecer
A sua maior vontade
Foi assim que a Perpétua
Deixou todos na saudade
Tornando-se pra sua alegria
E para tristeza de muitos
Nobre dama da sociedade...

n. 264
MEUS NETOS JAPALIANOS
Sou avó muito sortuda
Como certa vez me disse
O meu neto Gustavo
Ao todo eu tenho seis
Todos eles são muito espertos
E também muito antenados
Como costumam ser
As crianças hoje em dia
Mas quero falar aqui
Dos dois netos mesticinhos
Eu os chamo de japalianos
Pois são descendentes
De japoneses e italianos
Henrique atende por Jun
Que é seu segundo nome
E Márcio é chamado de Gogô
Pois já foi bem gorduchinho
São lindos com seus olhinhos puxados
Gosto muito dos orientais...os admiro
Acho que por isso
Durante a vida toda
Desejei muito ser avó
De netos mestiçados
Com essa grande raça
E eles vieram...
E me alegram tanto...
Jun é mais compenetrado,
Faz questão de ser gentil
Sabe elogiar... é atencioso
É bem orientalzinho...
Mas o Gogô...ah, o Gogô
É todo italianinho
Falastrão... esculachado
Dramático... um furacão
Irreverente... sem papas na língua
Gogô, é todo alegria
E Jun, uma mistura
Que também deu muito certo
Já o vi fazendo reverência
Às pessoas mais velhas
Como fazem os orientais
Mas o Gogô... Jamais...
Ao menos, até agora
Nunca o vi com esse gesto...
Dois irmãos tão diferentes
Em certos comportamentos
Mas têm uma mistura,
Que deu muito, muito certo
Pois aquilo que é preciso
Pra se tornarem grandes homens
Os dois meninos têm de sobra
Gostam muito de estudar
Me pedem pra ler histórias
E gostam de ler também
Seus princípios de conduta
Se revelam os melhores
E são princípios iguais
Sou mesmo uma avó de sorte
Pois todos os meus netos,
São muito, muito legais...

n. 265
PASSA O TEMPO
Tempo passa...
Correm anos
Fogem planos
Perco as contas
Me engano com o tempo
Nem dou conta
Do tempo que já perdi...
Não posso chorar o tempo
Nem há mais tempo...
Passado ido...esvaído...
Tempo perdido
Sei lá porque...
De que adianta chorar
Se o tempo ido não volta
Ficou há tempos lá atrás;
É tempo... tempo demais...
Passado, é tempo ido;
Estou aqui
Presente vivo
Que me aflora
Devora...
Implora que eu viva já...
Minha senhora
Clama viver o agora;
É hora de despertar
Esquecer o tempo ido
Não... o tempo não foi perdido;
O aprendido, está em mim
É meu presente;
Meus legados vão ficar
Meu futuro, não é meu
O passado já não conta
Nas contas do meu rosário;
Meu calvário,
Há muito tempo passou;
Sou o mais raro presente,
Do presente que ficou...



n. 266

O ADRO
No adro da igreja
Havia de tudo
Mulher rezadeira
Um cego que via
Sem nada enxergar;
Cabras pastando
Menina sereia
Vendendo seu corpo
A quem desse mais
Havia no adro
Um gato já morto
Um homem pançudo
Rapaz cabeludo
Pedinte sem nome
Criança com fome
E a prenhe esperando
Por mais um neném;
Havia também,
Um monge rezando
Um louco bem manso
Vendedor de santo
E um pobre poeta
Vendendo seus versos
Sem nada vender...
Galinhas ciscando
Moleques brigando
Dois homens olheiros
Um gato miando
Cachorros sarnentos
Jumento pastando
Mulher fofoqueira
E a doida passando
Falando e andando
Sem eira nem beira...
Havia ainda,
Um moço fumando
Bulindo co`
as moças
Sentadas num banco...
Seu padre passava,
Batina rasgada
Não dava mais conta
De tantos mortais;
Fazia uma cruz
Bendito Jesus
Meu Deus que tristeza
Que tanta pobreza
Não aguento isso não...
Botou mão no bolso
Um tanto furado
Em vão procurou
Achar uns trocados...
É hora do almoço
E nem tenho fome;
Pessoas sem teto
Sem nada, sem nome
Cadê o arquiteto
De tudo isso aqui?
Me dê paciência
E sabedoria
Pois minha alegria
Nem conheço mais...
Ai, ai, que tormento
Contudo, com todos,
Eu faço o que posso
Vai ver que mereço
A cruz que carrego
Mas sigo... é preciso
Na dor, não me entrego...


n. 267

MEU SINO
Por quem dobra hoje o sino
Seu dobre em desalinho
Ou em toque afinado...
Sino velho... já cansado
De tocar em desatino
Anunciando os seus finados...
Ah... o tocar daquele sino
Tão em mim, desde criança...
Tenho aliança com ele;
Me prometeu bater forte
O badalar que eu mais gosto
No dia da minha morte...
Sino antigo... lá no alto...
Eu ainda o vejo triste
Badalando incansável
Seu dobre desalinhado
Pelos mortos da cidade...
Me lembro tanto de você
Quando então
Com os meus primos,
Subíamos as escadas
Da matriz perto de casa
Balançávamos a corda
E corríamos, corríamos
Pra que ninguém nos visse
Badalar em desacordo
Um som que não era triste...
Ríamos tanto, e você,
Com certeza comungava
Dessa falta de juizo
E acho até que pensava:
- Ah, crianças sem serviço...
Hoje, quando volto lá
Pra rever minha cidade,
Ao ouvir seu dobre triste
Ou seu badalar alegre,
Me pergunto se você
Bom amigo e velho sino
Se lembra do nosso trato
Pois pra onde quer que eu vá
Espero que você sinta
Meu espírito por lá
E me honre com seu toque
Mais alegre que puder
Não...não toque a reboque
Feito eu menina arteira
Que o tocou tão sem compasso
Assim... só por brincadeira...